Por Tea Frigerio
O compadre Isaias olhava a seus filhos e se perguntava:
“Por que assinalei meus filhos com nomes tão esquisitos? O que passava em minha
cabeça? O que se passava no meu coração e no da profetiza, minha esposa, para
dar-lhes estes nomes?”
Um o havia chamado de Seariasub que significa: ‘Um
resto voltará’; outro, Mear-salàh-cash-baz’
quer dizer: ‘Pronto-saque-rápida-pilhagem’
(Is 7,1-4; 8,1-1-4).
A esposa lhe respondeu: “Não lembras? A situação que
estamos vivendo nos levou a isso!” Isaias lembrou, e o coração encheu-se de
tristeza. Tristeza, porque guerra e violência caminham juntas. Ódio e vingança
são irmãos. Recordou as palavras que ele mesmo havia escrito a respeito do
exercito que os havia atacado: “... suas
flechas estão afiadas e todos os seus arcos bem esticados ... as rodas de seus
carros são furacão ... Seu rugido é como da leoa enquanto agarra sua presa. Olha
para terra: tudo é escuridão e angustia, e a luz se transformou em trevas...”
(Is 5,26-30). A guerra estrava as portas e os grandes a legitimavam em nome de
seus deuses.
Isaias naquela noite custou a dormir. Angustiado
pensava: quantas vidas seriam ceifadas pela violência, criança ficariam órfãos,
mulheres violentadas, muitos jovens teriam sua vida destroçada. Fome e miséria
são o saldo de uma nação que aposta na guerra na força militar: o potencial bélico
tudo consome.
Seu coração sangrava: escutava choros, lamentos. Rolava
na cama inquieto, pois estava consciente que o saldo seria o preconceito racial
e religioso, ódio, vingança, o ressentimento fruto do orgulho sem medida. E
tudo isso escamoteado por palavras enganosas de quem se proclamava defensor da
liberdade, dos direitos, do respeito à pessoa humana, de quem declarava em alto
e bom som a vida era o valor supremo.
Poder e
riqueza eram o verdadeiro objetivo. Nunca havia assistido a contradição maior.
Então o compadre Isaias recordou porque deu esse nome ao filho, nome que
denuncia o resultado das guerras, nome que alertava, enquanto o outro nome
aviva a esperança.
Passou horas rolando na cama, conseguiu somente a
cochilar quando senti pertinho o calor da esposa e dos filhos.
Dormiu e sonhou. Inicialmente só havia escuridão, o
pisar das botas dos soldados, cheiro de sangue. A escuridão estava cheia de
medo. Pouco a pouco nas trevas uma pequena luz que avançando vencia as trevas.
A luz vencia as trevas e consolava, apaziguava, enchia os corações de alegria.
Estupefato Isaias se perguntava: “como
uma simples luz consegue confortar, espantar o medo, curar as feridas, renascer
a esperança?” Espreitou, aguçou a vista e vislumbrou no meio da luz uma
criança, nos cueiros uma escrita: shalom, paz! (Is 9,1-6).
O corpo inquieto de Isaias se aquietou, acariciou os
filhos, este simples gesto o confortava, e ouviu uma voz: “...Uma semente santa brotará, bendito pela força de Jaweh. Justiça e
compaixão, tolerância e perdão, igualdade e solidariedade, sabedoria e amor
estarão com ele. Quando isso acontecer, o lobo morará com o cordeiro, a pantera
se deitará ao lado do cabrito. A criança que nascerá será guia da humanidade,
sua inocência afastará o mal e a destruição e a terra será renovada.” (Is
11,1-9).
O coração apertado de Isaias dilatou. A alegria foi
tanta que acordou. Acariciou a esposa e lhes falou: ”Nascerá uma criança. Desta vez nenhum nome triste. Desta vez somente
nome de esperança, um nome que afirme a vida: Emanuel, Deus-conosco!” (Is 7,12-17).
Ai Isaias acordou de vez, chamou a esposa e os filhos e narrou
seu sonho, sua utopia. A caçula perguntou: “pai o que significa tudo isso?” Ele
respondeu: “As nações e os poderosos d terra confiam nas armas, na guerra. Usam
o nome de deus para esconder sua avidez e ambição, sua sede de poder, sua mente
é estreita e preconceituosa. Assumem atitudes de salvador, de libertador, mas
colhem vidas, semeiam sofrimento e dor, violência e morte. Suas ações são para
dominar e enriquecer. Filhos do ódio abominam o amor! Esta noite compreendi que
a criança é um sinal, é frágil, pequeno, inocente, tem o olhar transparente e
confiante, não tem preconceito, não discrimina. Sua força está na sua
fragilidade. A criança nos convida a despir o mundo velho e acomodado.
Desarruma nosso mundo arrumado. Pede espaço, mas não o pede através da força,
mas com a ternura e seu sorriso amolece os corações mais duros. A historia pode
ser resgatada na medida em que renunciamos as armas, a guerra, para os
militares não tem futuro. Precisamos apreender a nos desarmar interiormente. O
futuro é confiado ao resto, ao broto, semente santa, criança. Tudo isso tem
sabor de pequenez, de fragilidade.” E, ai Isaias se calou, havia confiado seu
sonho a seus filhos.
Isaias nos deixa seu sonho em herança. Sonho que
denuncia o absolutismo, a força das armas e do poder. Sonho que exige que
assumimos os pequenos como modelo de vida. Sonho que fala de universalidade, de
convívio fundado no respeito, na justiça, na tolerância, no perdão, na
capacidade de reconhecer no outros, na outra amigas e companheira de viagem.
Isaias nos desafia a nos vestir de branco e a escrever na nossa veste: SHALOM –
VIDA EM PLENITUDE
Caríssimos amigos e amigas vos desejo que estes últimos
dias que nos conduzam ao Natal sejam imbuídos da profecia isaiana e da sua
utopia. Natal nos fala de um Deus que se faz criança assume nossa carne,
Deus-conosco. Emanuel. Natal nos desafia a ser como Deus, acreditar nos
pequenos, na criança, na fragilidade.
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