Estava muito contente, tinha conseguido elaborar
uma genealogia conforme o figurino, conforme mandava a tradição: de Abraão a
Davi 14 gerações; de Davi ao Exílio 14 gerações; do Exílio a José 14 gerações.
Todos homens famosos, todos homens honrados, todos homens da raça, pertencentes
ao povo judeu.
Mateus estava muito feliz, ia confirmar para
comunidade que Jesus era o Messias esperado, aquele em que se cumpriam todas as
antigas promessas.
De mansinho alguém entrou, lá onde ele estava
escrevendo, espiou por cima do ombro, leu e, começou a dizer: “Mateus isso não está certo! Onde já se viu
geração, parto, nascimento sem mulher? Não te lembras, Farés e Zara saíram do
ventre de Tamar, Booz nasceu de Raab, o avo de Davi, Obed, teve como mãe Rute e
Salomão nasceu Daquela que era a mulher de Urias?” (Mt 1,1-16).
Buzinou e buzinou até que a genealogia perfeita,
alias mais do que perfeita teve suas pequenas manchas. Quatro mulheres
estrangeiras. Quatro mulheres de conduta duvidosa. Quatro mulheres que souberam
ir à luta para alcançar seus direitos, conseguir o que era delas.
A perfeição se foi, mas isso fez sentir Maria
menos sozinha. Ela que era mãe solteira se achou bem junto de estrangeiras e
prostitutas. Ela que precisava de coragem, na força das antepassadas encontrou
energias para ser a mãe deste filho sem pai.
Estava muito contente, tinha encontrado a
solução, ia manda-la embora, não clamorosamente, mas na privacidade. Ele, José
era homem honrado não ia assumir a paternidade do filho que seu não era.
E Maria? Sentia muito por ela. Gostava muito da
moça: recatada, bonita e prendada. Mas como foi se meter numa situação
semelhante? Como podia ter caído na lábia de alguém de fala mansa? Sentia
muito, mas ele não, não ia criar filho de outro. Faria tudo em segredo, não
queria prejudicar a moça. Era tudo o que ele podia fazer. Maria, depois que se
virasse.
Tinha encontrado a solução ao problema, sossegou,
tranqüilizou e depois de muitas noites insones, adormeceu. Dormiu o sono dos
justos.
Alguém entrou lá onde ele estava dormindo,
começou a soprar em seu ouvido: “De onde
vem todo este medo? Deixa de ser medroso, José! Enfrenta o desafio! Acolhe na
tua casa a mulher e seu filho” (Mt 1,18-15). E no sono a voz falou, falou e
falou, até que José pensou que era uma "anja" enviada por Deus a lhe
trazer um recado.
De manhã quando acordou foi buscar Maria e a
trouxe para sua casa. Assegurou à moça que ia assumir o filho, ele mesmo tinha
já escolhido o nome e este era Jesus. Depois destas palavras José deu-se conta
que o antigo profeta Isaias já havia profetizado algo de semelhante. Aí ele se
apercebeu que o menino que ia nascer seria o Emanuel.
Estavam muito contente, sua busca havia
terminado, haviam enxergado no céu uma estrela. Estrela espreitada. Estrela
esperada. Estrela da novidade. Nos livros da antiga sabedoria, nas tradições
dos astrólogos, nas lendas contadas ao redor das fogueiras, nos olhos voltados
para céu, tudo falava deste evento a acontecer: um sinal luminoso, um sinal
brilhante no céu iria anunciar uma nova era, era de um novo rei, de um novo
reinado. Os olhos perscrutando. As mentes buscando. Os corações ansiando a
chegada do novo.
O sinal apareceu, uma estrela luminosa. Os
sapientes magos se puseram a caminho. Queriam encontrar. Queriam homenagear.
Queriam reverenciar. Queriam ser súditos deste novo rei, neste novo reinado.
Colocaram-se a caminho, deixando-se guiar pela
estrela. E, quando a perderam de vista logo pensaram: um rei aonde podia nascer?
E como a cidade próxima era Jerusalém eles pensaram por bem ir no Palácio do
rei. Alvoraçado Herodes mandou chamar os sapientes, os escribas e estudiosos.
Mandou acordar sacerdotes e generais queria saber do novo rei. O medo apertou
suas entranhas: alguém desejava seu trono! Logo, queria saber quem era o
conspirador, quem almejava roubar sua coroa. Ninguém sabia de nada!
Enquanto a corte inteira corria de cá pra lá, de
cima pra baixo, ignaros e confiantes os magos foram dormir cansados de tanto
andar. Sabiam de estar perto. Sentiam em seus corações que a busca estava no
fim.
Alguém de mansinho, entrou lá onde dormiam e
falou bem baixinho: “não sejam tão
confiantes num rei amarrado ao poder! Sejam mais cuidadosos! Acordem e de
mansinhos saiam deste palácio, saiam desta cidade, a estrela não desapareceu
ela só se escondeu para não ser roubada pelos grandes e poderosos. Estrela só
gosta de coisas bem pequeninas” (Mt 2,1-12).
Atordoados pelo sono. Espantados pelo vozerio.
Espreitando a direita e esquerda saíram de mansinho do palácio em polvorosa. Ao sair
da cidade viram de novo a estrela. Até a vila de Belém eles foram conduzidos.
Num pequeno casebre a estrela posou. E, surpresa dos magos a estrela iluminou
uma mulher do povo ninando seu bebê. Custaram acreditar que aquele era o novo
rei, mas a voz soprou: “para ser novo
rei, para ser novo reinado só podia acontecer na veia da humildade, só podia
acontecer em quem não vale nada, só podia vir dos pobres. Tudo isso o mundo
despreza mas, humildade, pobreza, pequenez é aquilo que Deus preza”.
Ao terminar de escrever Mateus ficou contente,
tinha dado o seu recado: novidade é universalidade; novidade é acolhida;
novidade é inesperada; novidade é abertura. Novidade é tudo aquilo que é
diferente, tudo aquilo que desacomoda, tudo aquilo que rompe os trilhos, tudo
aquilo que brilha e nos faz novos e novas.
Ao terminar de escrever Mateus pulou de alegria
tinha conseguido dizer o que era para ele Natal.
Ao despertar do devaneio me enchi de esperança.
Pensei em cada uma, em cada um de vocês.
Vieram a minha mente nomes que com seu agir
desestruturam a tradição. Pequenas manchas no arrumado, mas que geram espaços
onde os menos afortunados vencem a solidão, se encontram a vontade, regeneram
suas forças.
Vieram a minha mente pessoas que souberam vencer
o medo, que criaram coragem para escutar as “anjas” da vida e por sua vez
viraram anjo e anja que anunciam a presença do Deus conosco agindo no
cotidiano.
Vieram a minha mente rostos de mulheres e homens
sábios, os olhos a espreitar, as mentes a perscrutar, os pés a buscar, o
coração a esperar, refazendo a história, apostando no novo, acreditando no
poder que enraíza no serviço e na partilha.
Ao memorar nomes, rostos, pessoas, falei para mim
mesma é possível ainda dizer.
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