segunda-feira, 18 de novembro de 2013

RECORDAR – DENUNCIAR – RESISTIR – RECRIAR.

A CRB Nacional em Brasília nos dias 15 – 17 de novembro 2013 realizou o IV Encontro Nacional da Rede um Grito pela Vida com o seguinte tema: “Enfrentar o Tráfico de Pessoas é nosso Compromisso”.

A seguir partilhamos as palavras com que Tea Frigério, assessora do CEBI Pará apresentou sua contribuição no Livro “Um grito pela Vida” cujo tema é: RECORDAR – DENUNCIAR – RESISTIR – RECRIAR.

O que me guiou neste escrito primeiramente foi o método da Hermenêutica Feminista Libertadora da Bíblia, que podemos visualizar nas palavras: VIDA – INTERAGIR – SUSPEITAR – DESCONSTRUIR – RECONSTRUIR.O texto bíblico é um tecido, cujos fios que tecem a trama são corpos, a vida. Isso faz do texto o lugar do encontro de corpos, corpos de ontem, corpos de hoje. Os corpos de ontem, a vida de ontem interage com os corpos a vida de hoje. São os corpos de hoje, a vida de hoje que interroga, dialoga com os corpos, a vida de ontem.
O texto bíblico é marcadamente patriarcal, na sua escrita, na sua interpretação. Essa constatação nos leva a suspeitar da leitura que hoje fazemos da historia, de seus acontecimentos, suspeitar da leitura que fomos induzidas a fazer no passado, da leitura que foi e é feita do texto bíblico.
Suspeitar para desconstruir uma historia que anulou o corpo das mulheres. Anulou não dando nome, é por isso que no meu escrito toda mulher tem nome. Nome que dei a elas, nome que vocês podem dar a elas. Dar o nome é devolver a vida que lhe foi negada. Muitas vezes uma vida barateada, comercializada, vendida, usada e abusada aos interesses do patriarcado, do kyriarcado. Corpos e vidas negadas, corpos e vida silenciadas, emudecidas.
Na desconstrução devolver aos corpos vida e palavras. No romance a Tenda Vermelha de Anita Diamant, no Prologo encontramos estas palavras: “Nós nos perdemos de vista por um tempo longo demais. Meu nome nada significa para vocês. Minha lembrança hoje é pó.” É um romance, mas a autora dá nome e voz a uma mulher que como ela afirma: “Não é culpa sua. Nem minha. Os elos da corrente que ligam mãe e filha foram rompidos, por isso a palavra passou à guarda dos homens, que não tinham como saber. Por isso, tornei-me uma simples anotação à margem do papel, e minha historia um breve desvio entre a historia de meu pai, Jacó, e a famosa crônica de José meu irmão. Nas raras ocasiões que lembraram de mim foi sempre como vitima.”
Escutar esta voz nos convida a desconstruir, devolver a estes corpos, vez e voz, nos aproximar para que nos ajudem e ler, a desconstruir uma historia escrita por homens, homens expressão do patriarcado, do kyriarcado. Desconstruir não para criar escombros o vitimismo, mas olhar a realidade e enxergar nela a reconstrução.
Reconstruir para no encontro RECORDAR DENUNCIAR – RESISTIR – RECRIAR.
É isso que me motiva Dinah nos dizer: “Havia muito mais o que contar. Se me tivessem pedido para falar, eu teria começado com a historia da geração que me criou que é o único ponto de onde se pode começar. Se você quiser compreender qualquer mulher, precisa perguntar sobre a mãe dela e depois escutar com atenção o que é dito.”
Ao escutar sua voz, ao lhe dar um nome, vocês podem dizer é um romance, mas volto a dizer ao lhe dar um nome, ao escutar sua voz podemos desconstruir uma historia narrada a partir de interesses patriarcais. Ao dar um nome, visualizar seu corpo, escutar sua voz podemos intuir e reconstruir sua historia e seu potencial libertador. Libertação que está presente em manter viva a memoria recordando, denunciando, resistindo para recriar um caminho libertador.
Safira, a mulher de Ló, testemunha: “Até minha memória foi roubada! Quem escreveu a historia disse que fui castigada por desobedecer.
Não! Quis virar estatua para não permitir esquecer! Não esquecer uma noite de horror e traição!”.
Resfa, no seu silencio grita ainda hoje: “Meu corpo de mulher, concubina, mãe estava lá. Tiveram que levar a noticia ao rei Davi... Tiveram que escrever minha historia, meu corpo estava lá, passou de boca em boca, Davi teve que intervir.Meu corpo estava lá gritando, penetrando nos ouvidos de quem queria ouvir e também de quem não queria ouvir, naquele tempo, hoje ...”
Leha, a filha de Jefté nos provoca: “A virgem chorou pela inutilidade de sua vida. Seu choro não foi inútil, foi resistência. Sua lamentação se tornou para mulheres uma tradição: cada ano se empoderar para contestar, criticar, denunciar os inocentes que silenciosamente são mortos pelas estruturas de opressão, do poder, do lucro. Não poderá haver terra livre enquanto o fraco, o indefeso, a mulher não tiver seu espaço garantido na sociedade. Leha concluiu sua narração conclamando: Nós somos sua descendência!”.
A Sulamita nos convida a sermos “Eu sou uma muralha e meus seios são torres; aos olhos dele, porém, sou a mensageira da paz.” (Ct 8,10).
Com Dinah digo a vocês: “Sinto-me imensamente grata por vocês terem vindo. Vou deixar fluir tudo o que guardei em minha memoria para que todas se levantem desta mesa satisfeitas e revigoradas. Que seus olhos sejam abençoados. Que seus filhos e filhas abençoad@s. que seja abençoado o chão sob seus pés. Meu coração é uma concha repleta de água doce, transbordante.
Selah!”


                                                                           Tea Frigerio
   Missionaria de Maria - Xaveriana


Nenhum comentário:

Postar um comentário