A CRB Nacional em Brasília nos dias 15 – 17
de novembro 2013 realizou o IV Encontro Nacional da Rede um Grito pela Vida com
o seguinte tema: “Enfrentar o Tráfico de Pessoas é nosso Compromisso”.
A seguir partilhamos
as palavras com que Tea Frigério, assessora do CEBI Pará apresentou sua
contribuição no Livro “Um grito pela Vida” cujo tema é: RECORDAR –
DENUNCIAR – RESISTIR – RECRIAR.
O
que me guiou neste escrito primeiramente foi o método da Hermenêutica Feminista
Libertadora da Bíblia, que podemos visualizar nas palavras: VIDA – INTERAGIR –
SUSPEITAR – DESCONSTRUIR – RECONSTRUIR.O
texto bíblico é um tecido, cujos fios que tecem a trama são corpos, a vida.
Isso faz do texto o lugar do encontro de corpos, corpos de ontem, corpos de
hoje. Os corpos de ontem, a vida de ontem interage com os corpos a vida de hoje.
São os corpos de hoje, a vida de hoje que interroga, dialoga com os corpos, a
vida de ontem.
O
texto bíblico é marcadamente patriarcal, na sua escrita, na sua interpretação.
Essa constatação nos leva a suspeitar da leitura que hoje fazemos da historia,
de seus acontecimentos, suspeitar da leitura que fomos induzidas a fazer no
passado, da leitura que foi e é feita do texto bíblico.
Suspeitar
para desconstruir uma historia que anulou o corpo das mulheres. Anulou não
dando nome, é por isso que no meu escrito toda mulher tem nome. Nome que dei a
elas, nome que vocês podem dar a elas. Dar o nome é devolver a vida que lhe foi
negada. Muitas vezes uma vida barateada, comercializada, vendida, usada e
abusada aos interesses do patriarcado, do kyriarcado. Corpos e vidas negadas,
corpos e vida silenciadas, emudecidas.
Na
desconstrução devolver aos corpos vida e palavras. No romance a Tenda Vermelha
de Anita Diamant, no Prologo encontramos estas palavras: “Nós nos perdemos de
vista por um tempo longo demais. Meu nome nada significa para vocês. Minha
lembrança hoje é pó.” É um romance, mas a autora dá nome e voz a uma mulher que
como ela afirma: “Não é culpa sua. Nem minha. Os elos da corrente que ligam mãe
e filha foram rompidos, por isso a palavra passou à guarda dos homens, que não
tinham como saber. Por isso, tornei-me uma simples anotação à margem do papel,
e minha historia um breve desvio entre a historia de meu pai, Jacó, e a famosa
crônica de José meu irmão. Nas raras ocasiões que lembraram de mim foi sempre
como vitima.”
Escutar
esta voz nos convida a desconstruir, devolver a estes corpos, vez e voz, nos
aproximar para que nos ajudem e ler, a desconstruir uma historia escrita por
homens, homens expressão do patriarcado, do kyriarcado. Desconstruir não para
criar escombros o vitimismo, mas olhar a realidade e enxergar nela a
reconstrução.
Reconstruir
para no encontro RECORDAR –
DENUNCIAR – RESISTIR – RECRIAR.
É isso que me motiva Dinah nos dizer: “Havia
muito mais o que contar. Se me tivessem pedido para falar, eu teria começado
com a historia da geração que me criou que é o único ponto de onde se pode
começar. Se você quiser compreender qualquer mulher, precisa perguntar sobre a
mãe dela e depois escutar com atenção o que é dito.”
Ao escutar sua voz, ao lhe dar um nome, vocês podem dizer é
um romance, mas volto a dizer ao lhe dar um nome, ao escutar sua voz podemos
desconstruir uma historia narrada a partir de interesses patriarcais. Ao dar um
nome, visualizar seu corpo, escutar sua voz podemos intuir e reconstruir sua
historia e seu potencial libertador. Libertação que está presente em manter
viva a memoria recordando, denunciando, resistindo para recriar um caminho
libertador.
Safira, a mulher de Ló,
testemunha: “Até minha memória
foi roubada! Quem escreveu a historia disse que fui castigada por desobedecer.
Não! Quis virar estatua para não permitir esquecer! Não esquecer uma
noite de horror e traição!”.
Resfa, no seu silencio grita
ainda hoje: “Meu corpo de mulher,
concubina, mãe estava lá. Tiveram que levar a noticia ao rei Davi... Tiveram
que escrever minha historia, meu corpo estava lá, passou de boca em boca, Davi
teve que intervir.Meu corpo estava lá gritando, penetrando nos ouvidos de quem queria
ouvir e também de quem não queria ouvir, naquele tempo, hoje ...”
Leha,
a filha de Jefté nos provoca: “A virgem chorou pela inutilidade de sua vida.
Seu choro não foi inútil, foi resistência. Sua lamentação se tornou para
mulheres uma tradição: cada ano se empoderar para contestar, criticar,
denunciar os inocentes que silenciosamente são mortos pelas estruturas de
opressão, do poder, do lucro. Não poderá haver terra livre enquanto o fraco, o
indefeso, a mulher não tiver seu espaço garantido na sociedade. Leha concluiu
sua narração conclamando: Nós somos sua descendência!”.
A Sulamita nos convida a sermos “Eu sou uma muralha e meus seios são
torres; aos olhos dele, porém, sou a mensageira da paz.” (Ct 8,10).
Com Dinah digo a
vocês: “Sinto-me imensamente grata por vocês terem vindo. Vou deixar fluir tudo
o que guardei em minha memoria para que todas se levantem desta mesa
satisfeitas e revigoradas. Que seus olhos sejam abençoados. Que seus filhos e
filhas abençoad@s. que seja abençoado o chão sob seus pés. Meu coração é uma
concha repleta de água doce, transbordante.
Selah!”
Tea
Frigerio
Missionaria de Maria - Xaveriana
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