Por Tea Frigério
Massagear... acarinhar... fortalecer...
curar... São gestos que nossos corpos necessitam e tem um tempo em que parece
precisarmos mais. São gestos que nos colocam em sintonia
com as mulheres que tinham vindo da Galiléia com Jesus, haviam seguido José;
observaram o túmulo e como o corpo de Jesus fora ali depositado. Voltaram e
prepararam aromas e perfumes (Lc 23,55-56). O corpo de Jesus, o corpo querido do
homem que se relacionou com elas com um “que”, único, especial. Não um
cadáver, como o era para Pilatos
(Mc 15,45a).
Há etapas na vida onde parece que o
tempo se encurta, ansiamos por sentimentos de solidariedade. Solidariedade tem
o colorido da compaixão. Solidariedade é viverem juntas as idênticas paixões.
Lermos a história superando a desilusão, acalentando a esperança.O tempo em que vivemos é tempo
de transição. Como era tempo de transição aquele que a comunidade viveu e
guardou a memória no corpo do texto bíblico que escolhemos como inspiração.A narração nos faz perceber que
é um tempo vivido à sombra da cruz. É tempo vivido na dor. O acontecimento é
narrado com poucas palavras, dele se fala com sobriedade. A narração guarda a
memória do viver à sombra da cruz. Memória de medo e esperança, de solidão e
amores, de desilusão e anseio. Memória de um texto escrito com poucas palavras,
porque a dor exige silêncio, talvez, marcado pela vergonha, pois há um só homem
presente e os outros... Texto rico de perguntas, sentimentos, intuições e
provocações. A dor alonga o tempo, pede silêncio porque o “mestre dorme”.
Tempo chocante, de escândalo,
mas tempo importante, pois é o único que puderam viver como momento presente.
Tempo de transição que prepara a alegria, a realização do sonho: provoca e
antecipa a ressurreição.Neste tempo, as mulheres são
protagonistas. Estão presente, permanecem. Permanecer é verbo que as torna
protagonista, as torna ponte entre a morte e a ressurreição. As mulheres estão
presentes. Estando presente tornam-se sinais de continuidade.O permanecer as constitui em
sinal de continuidade, memória, tradição, magistério e por isso autoridade.
Testemunham porque viram. João a sombra feminina do discipulado nos fala disso
no seu evangelho: é testemunha quem vê: “Mestre
onde moras? Vinde e vede” (João 1,38-39). Estar presente, ver para
testemunhar, como Maria Madalena, apóstola apostolorum, testemunhou porque viu,
porque estava presente.
Tempo de transição, tempo de
muito silencio: voltam para casa. “E, no sábado, observaram o repouso
prescrito.” (Lc 23,56b). Sábado, dia festivo, dia sem festa, sem alegria,
pela ausência da pessoa amada.
Tempo de solidão: saudade, a
pessoa amada não está mais presente. As mulheres vencem a tentação de anular
este tempo, preparando aromas e perfumes. Retomando seus gestos como a querer
continuar, não parar a caminhada. Superam a tentação de fugir, preparando
aromas e perfumes. E, no preparo, as recordações, recriam os gestos, renovam as
palavras, inventam novos toques, que tornam presente a pessoa amada, sua missão
e a fazem ressuscitar.
Tempo de profundo mistério:
mistério que não nos desloca nas nuvens, mas nos enraíza na terra, na vida.
Estes eventos nos fazem sentir o peso e a fadiga de sermos humanas. Sentimos em
profundidade a humanidade: os sentidos estão alerta, presentes, vigilantes,
tudo recorda, toca na ferida da ausência. Mas, o afeto faz permanecer. Somente
o amor faz permanecer, faz perceber a importância de viver intensamente, de não
ter medo da sensibilidade que faz aflorar os sentimentos. Não ter medo da
ausência, do silêncio, da dor. No ventre da terra, um corpo, o corpo de Jesus,
nossos corpos preparam a ressurreição.
É o feminino que faz tradição: a
sensibilidade das mulheres as mantém acordadas e presentes, as ajuda a vencer a
vontade de fugir como fugiram os discípulos. As mulheres permaneceram e
reinventam os gestos que antecipam a ressurreição.
Tempo de solidariedade ao redor
da cruz, abraçadas ao redor de ... É assim que nasce a circularidade.
Voltar para casa e preparar
perfumes... perfume para o amado... perfume para si próprias. A dor que
perpassa o corpo alma das mulheres precisava de alento. Ao preparar o perfume
para ungir o amado, também seus corpos foram ungidos. Unção que serviu para
acalentar sua dor e saudade. Unção para curar sua tristeza e medo. São mulheres
criando relações de cura entre si mesmo.
É tempo de transição, é tempo de
silêncio, é tempo de solidão, por isso tempo de mistério, que prepara o novo
modo de ser, de viver a missão. É tempo de mistério e de ministério. Ministério
exercido no cotidiano de mulheres, frágeis, mas criativa que conseguem preparar
perfumes, capazes de superar e suportar a aparente fragilidade. São gestos do
cotidiano que anunciam ressurreição. É
tempo de permanecer para ser ponte, ser tradição, magistério e autoridade.
Como ser isso?
Realizando gestos antigos que
enxertados na vida se tornam novos. Re-inventar, re-criar gestos para o tempo
novo, para a nova etapa de vida. As relações serão recriadas, pois a relação
passa através dos gestos, dos símbolos: simbologia verbal, gestual,
sacramental. É celebrar.
Celebrar, verbo ético, verbo que
revela uma maneira de estar na história, de viver as situações, de se
relacionar com as pessoas, de ler os contextos. Nossa formação nos leva a
dividir: tempos de morte, de guerra, de violência e tempos de vida; tempos
festivos e cotidianos; tempos produtivos e tempos improdutivos; juventude,
maturidade, velhice...
Voltar de madrugada, num gesto
que parece loucura, pois a pedra é grande e não sabem como removê-la, mas assim
mesmo, no escuro vencendo o medo elas vão. O amor guia seu agir, quer rever,
tocar de novo uma última vez, realizar os gestos, a unção que o sábado, o
antigo havia apressado.
O tempo moderno não nos educa,
tudo acontece rapidamente, perdemos a capacidade de gastar tempo em preparar.
Hoje temos dificuldade a enfrentar os monstros do neoliberalismo, mas,
sobretudo temos dificuldade a viver lentamente, pois sentimos a urgência de
pisar no acelerador.
No mundo do ‘mistério’, da
‘ressurreição’ nada acontece rapidamente, de improviso, tudo é
preparado. A Divina Sabedoria continua perdendo tempo preparando a humanidade,
a criação, o seu encontro conosco. Continua preparando a ressurreição: não
existe ressurreição sem preparação. A festa é celebrada depois de longos
preparativos que duram mais do que a própria festa.
As discípulas ao ir de madrugada
para o sepulcro vão carregadas de perguntas: Quem rolará a pedra? O sepulcro
está vazio? Onde levaram o corpo? Onde buscar?
De madrugada, também nós, vamos
grávidas de perguntas. As respostas virão do “nosso estar”.
Foram de madrugada ao sepulcro e
o que viram? O sepulcro vazio, os panos dobrados, figuras estranhas que
chamaram de anjos: viram, encontraram e, a realidade era mistério. Ver o que se
vê sem fantasias, pois a vida já é mistério.
Mistério a ser cantado, vivido,
ensaiado... Então sentimo-nos renovar, ressuscitar e, a juventude borbulhar em
nós, por isso cantamos, pois a juventude não é uma idade cronológica, mas um
modo de estar na vida:
Dizem que o sol deixou de brilhar
Que as
flores mais belas não perfumam mais
Que os
jovens (mulheres) teriam deixado de amar
De crer na
esperança de poder mudar
Que as lutas
os sonho o vento espalhou
Que
envelheceram as forças do amor.
Se fosse
assim me digam vocês
De quem é o
rosto que ainda sorri
De quem é o
grito de que nos faz tremer
Defendendo a
vida e o modo de ser?
De quem são
os passos marcados no chão
E o lindo
compasso de um só coração?
Enquanto
existir um raio de luz
E uma
esperança que a todos conduz
Persiste a
certeza plantada no chão
Ternura e
beleza não acabarão
Pois a
juventude (mulher) que sabe guardar
Do amor e da
vida não vai descuidar.
O rosto de
Deus é jovem (mulher) também
E o sonho
mais lindo é ele quem tem
Deus não
envelhece tampouco morreu
Continua
vivo no povo que é seu
Se a
juventude (mulher) viesse faltar
O rosto de
Deus iria mudar.
(Jorge Trevisol)
Tea
Frigerio
Nenhum comentário:
Postar um comentário