segunda-feira, 31 de março de 2014

CAMINHANDO PARA PASCOA - TEMPO DE RECRIAR, DE RENASCER

Por Tea Frigério

Massagear... acarinhar... fortalecer... curar... São gestos que nossos corpos necessitam e tem um tempo em que parece precisarmos mais. São gestos que nos colocam em sintonia com as mulheres que tinham vindo da Galiléia com Jesus, haviam seguido José; observaram o túmulo e como o corpo de Jesus fora ali depositado. Voltaram e prepararam aromas e perfumes (Lc 23,55-56)O corpo de Jesus, o corpo querido do homem que se relacionou com elas com um “que”, único, especial. Não um cadáver, como o era para Pilatos 
(Mc 15,45a). 

Há etapas na vida onde parece que o tempo se encurta, ansiamos por sentimentos de solidariedade. Solidariedade tem o colorido da compaixão. Solidariedade é viverem juntas as idênticas paixões. Lermos a história superando a desilusão, acalentando a esperança.O tempo em que vivemos é tempo de transição. Como era tempo de transição aquele que a comunidade viveu e guardou a memória no corpo do texto bíblico que escolhemos como inspiração.A narração nos faz perceber que é um tempo vivido à sombra da cruz. É tempo vivido na dor. O acontecimento é narrado com poucas palavras, dele se fala com sobriedade. A narração guarda a memória do viver à sombra da cruz. Memória de medo e esperança, de solidão e amores, de desilusão e anseio. Memória de um texto escrito com poucas palavras, porque a dor exige silêncio, talvez, marcado pela vergonha, pois há um só homem presente e os outros... Texto rico de perguntas, sentimentos, intuições e provocações. A dor alonga o tempo, pede silêncio porque o “mestre dorme”.
Tempo chocante, de escândalo, mas tempo importante, pois é o único que puderam viver como momento presente. Tempo de transição que prepara a alegria, a realização do sonho: provoca e antecipa a ressurreição.Neste tempo, as mulheres são protagonistas. Estão presente, permanecem. Permanecer é verbo que as torna protagonista, as torna ponte entre a morte e a ressurreição. As mulheres estão presentes. Estando presente tornam-se sinais de continuidade.O permanecer as constitui em sinal de continuidade, memória, tradição, magistério e por isso autoridade. Testemunham porque viram. João a sombra feminina do discipulado nos fala disso no seu evangelho: é testemunha quem vê: “Mestre onde moras? Vinde e vede” (João 1,38-39). Estar presente, ver para testemunhar, como Maria Madalena, apóstola apostolorum, testemunhou porque viu, porque estava presente.
Tempo de transição, tempo de muito silencio: voltam para casa. “E, no sábado, observaram o repouso prescrito.” (Lc 23,56b). Sábado, dia festivo, dia sem festa, sem alegria, pela ausência da pessoa amada. 
Tempo de solidão: saudade, a pessoa amada não está mais presente. As mulheres vencem a tentação de anular este tempo, preparando aromas e perfumes. Retomando seus gestos como a querer continuar, não parar a caminhada. Superam a tentação de fugir, preparando aromas e perfumes. E, no preparo, as recordações, recriam os gestos, renovam as palavras, inventam novos toques, que tornam presente a pessoa amada, sua missão e a fazem ressuscitar.
Tempo de profundo mistério: mistério que não nos desloca nas nuvens, mas nos enraíza na terra, na vida. Estes eventos nos fazem sentir o peso e a fadiga de sermos humanas. Sentimos em profundidade a humanidade: os sentidos estão alerta, presentes, vigilantes, tudo recorda, toca na ferida da ausência. Mas, o afeto faz permanecer. Somente o amor faz permanecer, faz perceber a importância de viver intensamente, de não ter medo da sensibilidade que faz aflorar os sentimentos. Não ter medo da ausência, do silêncio, da dor. No ventre da terra, um corpo, o corpo de Jesus, nossos corpos preparam a ressurreição.
É o feminino que faz tradição: a sensibilidade das mulheres as mantém acordadas e presentes, as ajuda a vencer a vontade de fugir como fugiram os discípulos. As mulheres permaneceram e reinventam os gestos que antecipam a ressurreição.
Tempo de solidariedade ao redor da cruz, abraçadas ao redor de ... É assim que nasce a circularidade.
Voltar para casa e preparar perfumes... perfume para o amado... perfume para si próprias. A dor que perpassa o corpo alma das mulheres precisava de alento. Ao preparar o perfume para ungir o amado, também seus corpos foram ungidos. Unção que serviu para acalentar sua dor e saudade. Unção para curar sua tristeza e medo. São mulheres criando relações de cura entre si mesmo. 
É tempo de transição, é tempo de silêncio, é tempo de solidão, por isso tempo de mistério, que prepara o novo modo de ser, de viver a missão. É tempo de mistério e de ministério. Ministério exercido no cotidiano de mulheres, frágeis, mas criativa que conseguem preparar perfumes, capazes de superar e suportar a aparente fragilidade. São gestos do cotidiano que anunciam ressurreição.  É tempo de permanecer para ser ponte, ser tradição, magistério e autoridade.
Como ser isso?
Realizando gestos antigos que enxertados na vida se tornam novos. Re-inventar, re-criar gestos para o tempo novo, para a nova etapa de vida. As relações serão recriadas, pois a relação passa através dos gestos, dos símbolos: simbologia verbal, gestual, sacramental. É celebrar.
Celebrar, verbo ético, verbo que revela uma maneira de estar na história, de viver as situações, de se relacionar com as pessoas, de ler os contextos. Nossa formação nos leva a dividir: tempos de morte, de guerra, de violência e tempos de vida; tempos festivos e cotidianos; tempos produtivos e tempos improdutivos; juventude, maturidade, velhice...
Voltar de madrugada, num gesto que parece loucura, pois a pedra é grande e não sabem como removê-la, mas assim mesmo, no escuro vencendo o medo elas vão. O amor guia seu agir, quer rever, tocar de novo uma última vez, realizar os gestos, a unção que o sábado, o antigo havia apressado. 
O tempo moderno não nos educa, tudo acontece rapidamente, perdemos a capacidade de gastar tempo em preparar. Hoje temos dificuldade a enfrentar os monstros do neoliberalismo, mas, sobretudo temos dificuldade a viver lentamente, pois sentimos a urgência de pisar no acelerador.
No mundo do ‘mistério’, da ‘ressurreição’ nada acontece rapidamente, de improviso, tudo é preparado. A Divina Sabedoria continua perdendo tempo preparando a humanidade, a criação, o seu encontro conosco. Continua preparando a ressurreição: não existe ressurreição sem preparação. A festa é celebrada depois de longos preparativos que duram mais do que a própria festa.
As discípulas ao ir de madrugada para o sepulcro vão carregadas de perguntas: Quem rolará a pedra? O sepulcro está vazio? Onde levaram o corpo? Onde buscar?
De madrugada, também nós, vamos grávidas de perguntas. As respostas virão do “nosso estar”.
Foram de madrugada ao sepulcro e o que viram? O sepulcro vazio, os panos dobrados, figuras estranhas que chamaram de anjos: viram, encontraram e, a realidade era mistério. Ver o que se vê sem fantasias, pois a vida já é mistério.
Mistério a ser cantado, vivido, ensaiado... Então sentimo-nos renovar, ressuscitar e, a juventude borbulhar em nós, por isso cantamos, pois a juventude não é uma idade cronológica, mas um modo de estar na vida:

Dizem que o sol deixou de brilhar
Que as flores mais belas não perfumam mais
Que os jovens (mulheres) teriam deixado de amar
De crer na esperança de poder mudar
Que as lutas os sonho o vento espalhou
Que envelheceram as forças do amor.
Se fosse assim me digam vocês
De quem é o rosto que ainda sorri
De quem é o grito de que nos faz tremer
Defendendo a vida e o modo de ser?
De quem são os passos marcados no chão
E o lindo compasso de um só coração?
Enquanto existir um raio de luz
E uma esperança que a todos conduz
Persiste a certeza plantada no chão
Ternura e beleza não acabarão
Pois a juventude (mulher) que sabe guardar
Do amor e da vida não vai descuidar.
O rosto de Deus é jovem (mulher) também
E o sonho mais lindo é ele quem tem
Deus não envelhece tampouco morreu
Continua vivo no povo que é seu
Se a juventude (mulher) viesse faltar
O rosto de Deus iria mudar.
(Jorge Trevisol)
                                                     Tea Frigerio

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