Piedade
Amazônica, pintura de irmã Eleanor C. Llanes ICM
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As
manchetes da televisão anunciavam Serra Pelada, minissérie... Imagens começaram a passar na telinha da televisão
e, as imagens da telinha foram desaparecendo substituídas pelas imagens de
quando pisei pela primeira vez em Serra Pelada.
Foi
quando? Foi lá nos anos entre 1990 - 1995, não lembro com precisão. Trabalhava
na Equipe de Formação do Departamento de Pastoral do IPAR (Instituto de
Pastoral Regional), veio um pedido da Diocese de Marabá: passar 3 semanas
andando na região para formação bíblica nas comunidades. Aceitamos o desafio e,
lá fomos nós... Na divisão das áreas a ser visitadas tocou-me Paraupebas,
Carajas, Km 2, Serra Pelada. E assim começou minha itinerância nesta terra
bendita por Deus pelas suas riquezas e amaldiçoada pelos homens pela sua
ganancia.
Paraupebas,
na planície, cidade dos trabalhadores, das domesticas; Carajas, montanha, mina
de ferro ao céu aberto com sua estrutura social piramidal. Km 2, curva que
guarda a memoria de um confronto de morte entre a força policial e lavradores. Itinerando
nestas comunidades, absorvendo sua realidade cheia de contrastes. E num fim de
semana me encontrei a caminho subindo a montanha com minha autorização para
entrar em Serra Pelada. Fui acolhida pelo seu Abel que exercia a função de
enfermeiro e animador da comunidade e um garimpeiro de barba e cabelo branco
que infelizmente hoje não lembro o nome.
Sim
em Serra Pelada havia uma pequena comunidade que tentava ser pequena lamparina
em meio aquela realidade humana-desumana.
Escoltada
pelos meus dois anfitriões de manhã fui percorrer a vila até chegarmos à
cratera gerada pela mão humana em busca do metal precioso: ouro. Passam à minha
frente imagens, imagens ... Homens que nem mais pareciam seres humanos... Formigueiro
humano subindo e descendo dentro da cratera ... Formigueiro humano ferindo-se e
ferindo a mãe terra ...
Umas
poucas mulheres nas ruas, escuto ainda a voz do meu acompanhante dizendo: até pouco, mulher não entrava em Serra
Pelada, somente liberava em algumas ocasiões... De reflexo, eu pensando em
que ocasiões? Que mulheres ...?
A
toda esquina, a toda hora surpresas. De tanto andar bateu a fome e fomos
almoçar numa casa bonita, mesa farta, na conversa percebi que o dono de casa
alugava um barranco, lá na cratera do ouro. Alugar um barranco, de quem alugava
quem era o dono?
Os
olhos enchendo-se de imagens, a mente fervilhando de informações.
E,
a tarde num salão que também servia de capela, quando o padre ia para
celebração, nos reunimos para o curso bíblico: sábado à tarde e domingo
concluindo com a celebração da Palavra.
Sentada
num banco olhava aqueles homens entrando, corpos curtidos pelo sol, chuva e vento,
os ombros curvados, ainda que em repouso, pelo peso das sacas de terra, onde quem
sabe havia um grama de ouro, mãos calejadas, feridas, rostos marcados pela
desilusão, conservando nos olhos uma pequena centelha de esperança: talvez
amanhã a descoberta, o filão.
Com
eles abrimos o livro do Êxodo: sob o peso
da escravidão ... em duros trabalhos ... capatazes ... gritaram sob o duro peso
da escravidão ... Nunca estas palavras soram tão verdadeiras. Lemos e
deixei ressoar estas palavras nos corpos, nos olhos, nos ouvidos das pessoas
que me rodeavam, somente homens ... Nem precisou o seu Abel estimular suas
falas ...
- O gato me convenceu a vir, ia ganhar muito dinheiro
- Não tenho coragem de voltar, pior de como sai, faz três anos
- Cavo e garimpo, mas tem quem me vigia, é o capataz pago pelo dono do barranco
- Quando intuímos que está perto um veio, ficamos também de noite para vigiar
- Mas ficamos com olhos abertos, com a mão na faca, na arma
- Há muita morte violenta aqui
- Naquele tempo só prostituta entrava
- E, mas ficavam somente uns dias e depois eram levadas, nunca as mesmas
São
as palavras que voltam à minha mente. Nunca as palavras do livro do Êxodo
pareceram tão atuais, tão verdadeiras. Faraó, capatazes, vigias, trabalhadores
forçados. Capitalista, atravessador, quem aluga, capataz, gato, garimpeiro que
cava, garimpeiro que carrega. A mesma pirâmide social se repetindo no tempo.
Quem está no topo, quem lucra não tem rosto...
Hoje
Serra Pelada é legalizada, mas a ferida na mãe terra está lá testemunhando a
origem de sua escravidão, a origem da escravidão do ser humano que se tornou
mercadoria porque o $$$ é o que move nossas relações.
Serra
Pelada hoje tem outros nomes: Agronegócio, pecuarista, mineração, madeireiros,
usinas de Tucuruí, Belo Monte ... Nomes que nos desafiam a levantar o tapete do
silenciamento para termos a coragem de olhar de cara o que estas
palavras-realidade provocam: migrações voluntarias e involuntárias, exploração
do trabalho mal pago e em situações indignas, trabalho escravo e em servidão no
latifúndio, empobrecimento que gera situações favoráveis ao trafico de pessoas
... Pessoa humana que vira mercadoria.
Serra
Pelada nos convida a levantar o tapete para termos a coragem de olhar de cara o
que significa Trafico de Pessoa Humana.
Serra
Pelada nos convida a escutar as vozes que gemem
sob o peso da escravidão e clamam... do fundo da escravidão, o seu clamor
chegou até Deus ... É para liberdade que Cristo vos libertou (Ex 2,23-25;
Gl 5,1).
Tea
Frigerio
Missionaria
de Maria - Xaveriana
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