segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Entrevista com Tea Frigerio sobre a experiência dos últimos decênios das CEBs no Brasil

De TERESA CAFFI  para o L’OSSERVATORE ROMANO
Tradução: Marlucia Cascaes


A foto é de um dos momentos de reflexão durante o 13° Intereclesial das CEBs.


A vida de uma comunidade eclesial de base (CEBs) nos explica Téa Frigerio está concentrada na celebração dominical da Palavra feita por leigos.
A novidade nessas comunidades tradicionais é a centralidade da Palavra de onde se começa a renovar a pastoral.
A leitura da Palavra  a partir da vida se compromete em mudanças sociais. Nascem as  lutas iniciais de um sindicato livre, que, libertado da opressão dos proprietários de terra, torna-se um instrumento de justiça, comprometendo –se com a vida dentro da comunidade e através de atos de solidariedade, de mutirão  etc.
 As CEBs são como uma roda: o eixo central é Jesus, os raios são os animadores  conscientes, o círculo é a vida.

Como e por que nasceram no Brasil, as comunidades eclesiais de base (CEBs)?
Na Lumen Gentium , o concilio havia definido a Igreja como o povo  de Deus. O encontro de Medelin, em 1968, retornou a esta profecia, inccarnando-o em uma pastoral dirigida aos pequenos e ultimos da sociedade. Se tornou presença nas comunidades mais carentes, muitas vezes assistidas por uma religião popular, que recebia a visita de um sacerdote um ou duas vezes por ano, celebrando a Palavra consegiram manter-se ligados a Jesus e Maria por uma fé profunda expressa em formas populares .
Os bispos reconheceram nessas comunidades a semente da comunidade descrita nos Atos dos Apóstolos. Esta constatação é um processo de formação dos leigos com base na Palavra de Deus que se encarna na vida. Neste processo, a teologia da libertação tem sido um grande apoio.

A teologia da libertação foi precedida das CEBs ?
Não há um antes , ou um depois. Há um processo teológico , há um caminho eclessial que  une o povo, missionários e religiosos, padres e bispos.

Como a opressão política afetou o PERCURSO das Cebs ?
Não foi só o LG que influenciou este processo, mas também a
Gaudium et Spes que chama a Igreja a ser esperança para o mundo. Estes dois documentos , na minha opinião, são a luz que guiou o encontro dos bispos em Medellín quando afirmavam que tem um grito silencioso que vem do povo e que precisa ser ouvido. Naquela época, o Brasil estava em plena ditadura.
1.Neste processo, a pedagogia de Paulo Freire é de grande importância: dar voz aos que não têm voz .
Muitos leigos, religiosas (os) e sacerdotes , a partir da situação de opressão gerada pelas ditaduras, estão empenhados em dar origem a movimentos de conscientização e protesto .
Durante este período, a reflexão sobre o " Êxodo e sobre Jesus, o Libertador foram de funtamental importância.
Tinha em todo o fermento que envolvia a Igreja, as comunidades  existentes, os movimentos de libertação , como os camponeses, agricultores, os sem terras que surgem a partir de uma consciência cristã renovada. Estes três componentes interagem e dão à luz as comunidades eclesiais de base.

Que impacto teve as CEBs sobre a vida das pessoas?
Nasce um laicado consciente de ser o portador de boas notícias e não apenas o destinatário, consciência que levou a uma transformação não só das estruturas da Igreja, mas também das estruturas sociais.
Muitos dos que estão agora no sindicato, partido ou outros compromissos sociais fizeram esta caminho. Um exemplo: agricultores e pescadores vinculados a uma dependência dos grandes, a partir da vida da comunidade conseguiram criar cooperativas que ainda existem. O evangélho que os fez comunidade os levou a pensar em como viver esta Palavra em uma transformação que permitia uma vida de dignidade para si e suas famílias e os companheiros.
A consciência de ser povo de Deus os levou a se sentir protagonistas não só na comunidade, mas também na vida social. Todos os movimentos que levaram o Brasil para a transformação democrática deram origem a este caminho de consciência cristã.

Que fatores tentaram impedir a caminhada das CEBS?
Desenvolvido a partir dos anos setenta, foram em plena floração por duas décadas: a extase começou com o processo da teologia da libertação , que também contestava o modo de ser Igreja.
Eu acho que quem assistiu de fora teve medo, porém, mesmo os de dentro aqueles poucos que não tinha feito a escolha, eles estavam com medo e acabaram atrapalhando o percurso provocando assim o enfraquecimento, eles estavam com medo de perderem os poderes e funções, temia um laicado consciente e "politizado”, temia que na teologia da libertação o marxismo fosse infltrado nas CEBS. Do marxismo se tinha usado como ferramenta de análise usando o método ver-julgar-agir, no ver a análise era feita com os paradigmas marxistas. Fernando Belo, publicou um livro sobre o Evangelho, do qual fazia uma leitura política.
A leitura da realidade à luz do Êxodo e Jesus, o Libertador tinha despertado a suspeita de marxismo que na minha opinião era sem fundamento, embora a utopia de uma sociedade igualitária esteja contida na análise marxista.

Alguns viram a falta de espiritualidade?
Eu discordo: um caminho de Igreja que deu tantos mártires - sacerdotes, religiosos e religiosas , bispos, leigos - só pode ser sustentada por uma profunda espiritualidade.

Tiveram outros fatores por trás da crise da CEBS?
Há também causas internas. A experiência nasce nas zonas do interior , nas margens dos rios , no campo : as CEBS ainda não encontraram uma maneira de ser CEB na cidade.
Mas também contribuiu para enfraquecer a propagação do pentecostalismo, nas últimas décadas que responde a uma certa alma que procura o curandeiro mágico, um conforto psicológico, sem compromisso.

Os grupos de Evangelização na cidade que muito se fala hoje em dia são a mesma coisa que CEBS?
Na minha experiência, em Belém, os grupos de evangalização, os circulos biblicos são o caminho para buscar o novo rosto da Cebs na realidade urbana. Eles são a semente da CEBS que estão percorrendo um caminho de busca, porque a utopia da Igreja  povo de Deus e da Igreja a serviço do Reino não está morta, mas é uma pequena flor a crescer. Nesta procura, a sede da Palavra é sempre muito forte: a Palavra lida a partir da vida . E quando as pessoas leigas descobrem  que ser cristão é ligado a verdadeira tradição como utopia presente nos Atos dos Apóstolos, não como algo já realizado, mas como uma utopia a ser realizado.

O livro Gustavo Gutiérrez e Gerhard Ludwig Muller, Do lado dos pobres. A teologia da libertação, a teologia da Igreja (2013 ). O que isso significa?
Ele não é o único sinal de esperança . Neste momento histórico , o documento de Aparecida, nascido da 'assemblea dos bispos latino-americanos em 2007, convoca a utopia das CEBs, a vida das igrejas da América Latina: O Papa Francisco fala muitas vezes da comunidade, de voltar aos pobres.
 Estou convencido de que tanto as CEBS como é a teologia da libertação,  antes de ser uma teoria tem sido uma vida. Mesmo se si fala da morte da teologia da libertação e do CEBS , mesmo que eles  não estão na moda , no entanto, continua porem, a ser a vida de tantas pessoas que acreditam que a comunidade sonhada por Jesus seja um comunidade a serviço da vida e essa continua a ser vivida na base entre o povo. É como um rio subterrâneo que pode parecer extinto, mas caminha debaixo da terra e purificado para vir à tona de água mais clara e refrescante para a vida.
De 7 a 11 de janeiro  próximo será realizado  13º  Intereclesial das CEBS.
É  encontro trienal de todos as CEBS do Brasil, com a presença das CEBS da América Latina. O tema - " Justiça e profecia a serviço da vida:  o lema Romeiros do Reino no campo e na cidade,  é acompanhada por uma texto base de reflexão em preparação para o encontro. Promovido pelo Conselho Permanente da Cebs, do qua faz parte dois bispos, sacerdotes, religiosos e leigos , tem a finalidade de avaliar o caminho das CEBS e atraçar  novos para os próximos três anos , de acordo com o método de ver , julgar e agir.

Os bispos brasileiros, por isso, continuam a acreditar nas CEBS?
O episcopado latino-americano nunca negou esta escolha, alias, o fato de que a Conferência dos Bispos do Brasil nomeou dois bispos para representar o Conselho de CEBS é um sinal da importância que atribui a este caminho. É  a igreja brasileira que cuida do caminho do CEBS. Claro que isso pode ser visto como uma tentativa de recuperar , mas a história nunca vai voltar : pode haver um período de calmaria , mas a vida se move para frente .
Nas danças circulares sagradas, dança-se dezesseis passos pra frente e volta-se quatorze porque a vida nunca retorna ao mesmo ponto, ha sempre um crescimento. A experiência nunca será esquecida.
O Papa Francisco não veio por acaso: é o resultado de um caminho, de uma pastoral ,  de uma igreja, de um sentimento, como Jesus é o fruto do anawim , do povo pobre de Israel , do percurso de um povo. Uma experiência que  a vida nunca volta ao ponto zero.

Missionaria Xaveriana Tea Frigerio está no Brasil desde 1974. Ela vive nos subúrbios de Belém (Pará). Professora de Sagrada Escritura, foi a coordenadora e diretora do Departamento do Instituto de Pastoral Regional.
Desde 1985, ela é membro do Centro de Estudos Bíblicos.

Desde 1999 também anima o caminho da leitura popular da Bíblia na Italia. Entre seus livros, lembro: O desafio do patriarcado, Leitura feminista do Livro de Ruth (2011) e uma fonte de água viva (2006) .

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