(texto elaborado por Tea Frigerio a partir do artigo de Leonardo Boff: Diálogo Inter-religioso)
O diálogo inter-religioso é uma das demandas
mais urgentes nesta fase planetária da humanidade. O fundamentalismo e o
terrorismo atuais se enraízam profundamente em convicções religiosas. Só
motivações que se fundam num sentido radical que transcende os sentidos
históricos sustentam a coragem de pessoas, dispostas a se sacrificarem e a
virarem pessoas-bombas para destruir outros, tidos como inimigos. Esse sentido
é, normalmente, produzido pelas religiões. Atrás dos principais conflitos do
final do século XX e dos inícios do novo milênio possuem um transfundo
religioso.
Samiuel
P. Huntington, escreveu em seu livro O choque de civilizações: ”No mundo
moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que
motiva e mobiliza as pessoas… O que em última análise conta para as pessoas não
é a ideologia política nem o interesse econômico; mas aquilo que com que as
pessoas se identificam são as convicções religiosas, a família e os credos. É
por estas coisas que elas combatem e até estão dispostas a dar a sua
vida”(p.79).
Efetivamente,
não obstante o processo de secularização e do eclipse do sagrado com a
introdução da razão crítica a partir do Iluminismo do século XVIII, a religião
sobreviveu a todos os ataques nem precisou ir ao exílio. Ao contrário, as
últimas décadas assistiram a uma volta poderosa do fator religioso e místico em
todas as sociedades mundiais. É a religião a cosmovisão comum da maioria da
humanidade. Nela encontra orientação para a vida e dela deriva atitudes éticas.
Bem formulou Ernst Bloch, o filósofo marxista que resgatou o sentido profundo
da religião: “onde há religião, ai há esperança”. E onde há esperança surgem
incontáveis razões para lutar, para sonhar, para projetar utopias e dar sentido
à vida e à história.
Então,
há se partir do fato incisivo da religião, melhor, do pluralismo religioso. Há
tantas religiões quantas culturas há. Como todas as religiões trabalham com um
sentido último e com valores que orientam a vida, correm o risco permanente de
fundamentalismo, de se imaginarem absolutas e as melhores. Esta atitude, está a
um passo da guerra religiosa, coisa que ocorre com frequência na história. As
religiões precisam, então, de se conhecer, de entrar em diálogo e de buscarem convergências
mínimas que lhes permitem conviver pacificamente.
Antes
de mais nada importa reconhecer o pluralismo religioso, de fato e de
direito. O fato é inegável, basta constatá-lo. A questão é sua legitimação
de direito. Neste ponto há divergências profundas, há religiões que mostram sua
arrogância latente e seu fundamentalismo explícito, pois, julgam-se as
portadoras exclusivas da revelação divina e as únicas herdeiras da gesta
salvadora da Divindade na história.
Mas
importa defender o direito à pluralidade. Em primeiro por uma razão interna à
própria religião. Nenhuma religião pode pretender enquadrar a Divindade, o
Mistério, a Fonte originária de todo ser ou qualquer nome que quisermos dar à
Suprema Realidade, nas malhas de seu discurso e de seus ritos. Se assim fora, a
Divindade seria um pedaço do mundo, na realidade um ídolo. Perderia totalmente
sua transcendência a qualquer objetivação humana. Ele está sempre mais além e
sempre mais acima. Então, há espaço para outros nomes, outras expressões e
outras formas de celebrá-lo que não seja
exclusivamente através duma unica expressão religiosa.
O diálogo entre as religiões
segue um caminho singular. Não pode começar pela discussão das doutrinas, mas
pela conscientização da espiritualidade que une a todos. E isso se faz pela
oração. O diálogo começa quando todos começam a orar junto. Orar é mergulhar na
espiritualidade. Ai as pessoas começam a se conhecer, a descobrir a bondade de
um e de outro, a piedade, a reverência e a busca sincera de “Deus”, da “Deusa”.
As doutrinas ficam relativizadas em nome da vida concreta, inspirada pela
respectiva religião. Logicamente, tudo o que é sadio pode ficar doente. Todas
as religiões incorporam desvios, endurecimentos, atitudes fundamentalistas de
grupos. Aqui há um vasto campo de recíproca crítica e de processos de
purificação. Assim como a doença remete à saúde, de forma semelhante os desvios
permitem que a essência verdadeira da religião venha à tona. Deste diálogo
orante nascem os pontos de convergência que fundam a paz possível entre as
religiões.
Efetivamente
chegou-se a estabelecer os pontos comuns elencados ainda em 1970 na Conferência
Mundial das Religiões em favor da Paz em Kyoto. Esses pontos convergentes foram
assim formulados:
1.
Há uma unidade fundamental da família humana em igualdade e dignidade de todos
os seus membros.
2.
Cada ser humano é sagrado e intocável, especialmente, em sua consciência.
3.
Toda comunidade humana representa um valor.
4,
O poder não pode ser igualado ao direito. O poder jamais se basta a si mesmo,
não é jamais absoluto e deve ser limitado pelo direito e pelo controle da
comunidade.
6.
Deve-se estar, por obrigação, do lado dos pobres e oprimidos e contra seus
opressores.
7.
Alimentamos profunda esperança de que no final a boa vontade triunfará.
Esse diálogo não se exaure em
si mesmo. Ele se ordena a algo maior: à paz entre os povos, à paz com a Terra,
à paz com os ecosistemas, à paz do ser humano consigo mesmo e à paz com a Fonte
originária de onde veio e para onde vai. Essa paz é, como bem o definiu a Carta
da Terra,”a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras
pessoas, com outras culturas, com outras vidas, com a Terra e com a totalidade
maior da qual somos parte”.
A tolerância ativa, o
respeito, o amor entre as religiões significa, portanto, a convivência pacífica
e alegre entre as mais diversas religiões que vêem em sua diversidade uma
riqueza do único e mesmo Mistério fontal.
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