terça-feira, 21 de janeiro de 2014

TOLERANCIA NÃO! RESPEITO!

(texto elaborado por Tea Frigerio a partir do artigo de Leonardo Boff: Diálogo Inter-religioso)



O diálogo inter-religioso é uma das demandas mais urgentes nesta fase planetária da humanidade. O fundamentalismo e o terrorismo atuais se enraízam profundamente em convicções religiosas. Só motivações que se fundam num sentido radical que transcende os sentidos históricos sustentam a coragem de pessoas, dispostas a se sacrificarem e a virarem pessoas-bombas para destruir outros, tidos como inimigos. Esse sentido é, normalmente, produzido pelas religiões. Atrás dos principais conflitos do final do século XX e dos inícios do novo milênio possuem um transfundo religioso.

Representantes de diversas religiões celebram juntos.
Fotografia de Rita Melém durante o quarto Ato de Combate à Intolerância religiosa
 realizado pelo 
Comitê Inter-Religioso do Estado do Pará em Belém no domingo 19/01. 
Samiuel P. Huntington, escreveu em seu livro O choque de civilizações: ”No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que motiva e mobiliza as pessoas… O que em última análise conta para as pessoas não é a ideologia política nem o interesse econômico; mas aquilo que com que as pessoas se identificam são as convicções religiosas, a família e os credos. É por estas coisas que elas combatem e até estão dispostas a dar a sua vida”(p.79).
Efetivamente, não obstante o processo de secularização e do eclipse do sagrado com a introdução da razão crítica a partir do Iluminismo do século XVIII, a religião sobreviveu a todos os ataques nem precisou ir ao exílio. Ao contrário, as últimas décadas assistiram a uma volta poderosa do fator religioso e místico em todas as sociedades mundiais. É a religião a cosmovisão comum da maioria da humanidade. Nela encontra orientação para a vida e dela deriva atitudes éticas. Bem formulou Ernst Bloch, o filósofo marxista que resgatou o sentido profundo da religião: “onde há religião, ai há esperança”. E onde há esperança surgem incontáveis razões para lutar, para sonhar, para projetar utopias e dar sentido à vida e à história.
Então, há se partir do fato incisivo da religião, melhor, do pluralismo religioso. Há tantas religiões quantas culturas há. Como todas as religiões trabalham com um sentido último e com valores que orientam a vida, correm o risco permanente de fundamentalismo, de se imaginarem absolutas e as melhores. Esta atitude, está a um passo da guerra religiosa, coisa que ocorre com frequência na história. As religiões precisam, então, de se conhecer, de entrar em diálogo e de buscarem convergências mínimas que lhes permitem conviver pacificamente. 

Antes de mais nada importa reconhecer o pluralismo religioso, de fato e de direito. O fato é inegável, basta constatá-lo. A questão é sua legitimação de direito. Neste ponto há divergências profundas, há religiões que mostram sua arrogância latente e seu fundamentalismo explícito, pois, julgam-se as portadoras exclusivas da revelação divina e as únicas herdeiras da gesta salvadora da Divindade na história.
Mas importa defender o direito à pluralidade. Em primeiro por uma razão interna à própria religião. Nenhuma religião pode pretender enquadrar a Divindade, o Mistério, a Fonte originária de todo ser ou qualquer nome que quisermos dar à Suprema Realidade, nas malhas de seu discurso e de seus ritos. Se assim fora, a Divindade seria um pedaço do mundo, na realidade um ídolo. Perderia totalmente sua transcendência a qualquer objetivação humana. Ele está sempre mais além e sempre mais acima. Então, há espaço para outros nomes, outras expressões e outras formas de celebrá-lo que não seja  exclusivamente através duma unica expressão religiosa.
O diálogo entre as religiões segue um caminho singular. Não pode começar pela discussão das doutrinas, mas pela conscientização da espiritualidade que une a todos. E isso se faz pela oração. O diálogo começa quando todos começam a orar junto. Orar é mergulhar na espiritualidade. Ai as pessoas começam a se conhecer, a descobrir a bondade de um e de outro, a piedade, a reverência e a busca sincera de “Deus”, da “Deusa”. As doutrinas ficam relativizadas em nome da vida concreta, inspirada pela respectiva religião. Logicamente, tudo o que é sadio pode ficar doente. Todas as religiões incorporam desvios, endurecimentos, atitudes fundamentalistas de grupos. Aqui há um vasto campo de recíproca crítica e de processos de purificação. Assim como a doença remete à saúde, de forma semelhante os desvios permitem que a essência verdadeira da religião venha à tona. Deste diálogo orante nascem os pontos de convergência que fundam a paz possível entre as religiões.
Efetivamente chegou-se a estabelecer os pontos comuns elencados ainda em 1970 na Conferência Mundial das Religiões em favor da Paz em Kyoto. Esses pontos convergentes foram assim formulados:
1. Há uma unidade fundamental da família humana em igualdade e dignidade de todos os seus membros.
2. Cada ser humano é sagrado e intocável, especialmente, em sua consciência.
3. Toda comunidade humana representa um valor.
4, O poder não pode ser igualado ao direito. O poder jamais se basta a si mesmo, não é jamais absoluto e deve ser limitado pelo direito e pelo controle da comunidade.
5. A fé, o amor, a compaixão, o altruísmo, a força do espírito e a veracidade interior são, em última instância, muito superiores ao ódio, à inimizade e ao egoismo.
6. Deve-se estar, por obrigação, do lado dos pobres e oprimidos e contra seus opressores.
7. Alimentamos profunda esperança de que no final a boa vontade  triunfará.
Esse diálogo não se exaure em si mesmo. Ele se ordena a algo maior: à paz entre os povos, à paz com a Terra, à paz com os ecosistemas, à paz do ser humano consigo mesmo e à paz com a Fonte originária de onde veio e para onde vai. Essa paz é, como bem o definiu a Carta da Terra,”a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, com outras culturas, com outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte”.
A tolerância ativa, o respeito, o amor entre as religiões significa, portanto, a convivência pacífica e alegre entre as mais diversas religiões que vêem em sua diversidade uma riqueza do único e mesmo Mistério fontal.

 

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