segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Entrevista com Tea Frigerio sobre a experiência dos últimos decênios das CEBs no Brasil

De TERESA CAFFI  para o L’OSSERVATORE ROMANO
Tradução: Marlucia Cascaes


A foto é de um dos momentos de reflexão durante o 13° Intereclesial das CEBs.


A vida de uma comunidade eclesial de base (CEBs) nos explica Téa Frigerio está concentrada na celebração dominical da Palavra feita por leigos.
A novidade nessas comunidades tradicionais é a centralidade da Palavra de onde se começa a renovar a pastoral.
A leitura da Palavra  a partir da vida se compromete em mudanças sociais. Nascem as  lutas iniciais de um sindicato livre, que, libertado da opressão dos proprietários de terra, torna-se um instrumento de justiça, comprometendo –se com a vida dentro da comunidade e através de atos de solidariedade, de mutirão  etc.
 As CEBs são como uma roda: o eixo central é Jesus, os raios são os animadores  conscientes, o círculo é a vida.

Como e por que nasceram no Brasil, as comunidades eclesiais de base (CEBs)?
Na Lumen Gentium , o concilio havia definido a Igreja como o povo  de Deus. O encontro de Medelin, em 1968, retornou a esta profecia, inccarnando-o em uma pastoral dirigida aos pequenos e ultimos da sociedade. Se tornou presença nas comunidades mais carentes, muitas vezes assistidas por uma religião popular, que recebia a visita de um sacerdote um ou duas vezes por ano, celebrando a Palavra consegiram manter-se ligados a Jesus e Maria por uma fé profunda expressa em formas populares .
Os bispos reconheceram nessas comunidades a semente da comunidade descrita nos Atos dos Apóstolos. Esta constatação é um processo de formação dos leigos com base na Palavra de Deus que se encarna na vida. Neste processo, a teologia da libertação tem sido um grande apoio.

A teologia da libertação foi precedida das CEBs ?
Não há um antes , ou um depois. Há um processo teológico , há um caminho eclessial que  une o povo, missionários e religiosos, padres e bispos.

Como a opressão política afetou o PERCURSO das Cebs ?
Não foi só o LG que influenciou este processo, mas também a
Gaudium et Spes que chama a Igreja a ser esperança para o mundo. Estes dois documentos , na minha opinião, são a luz que guiou o encontro dos bispos em Medellín quando afirmavam que tem um grito silencioso que vem do povo e que precisa ser ouvido. Naquela época, o Brasil estava em plena ditadura.
1.Neste processo, a pedagogia de Paulo Freire é de grande importância: dar voz aos que não têm voz .
Muitos leigos, religiosas (os) e sacerdotes , a partir da situação de opressão gerada pelas ditaduras, estão empenhados em dar origem a movimentos de conscientização e protesto .
Durante este período, a reflexão sobre o " Êxodo e sobre Jesus, o Libertador foram de funtamental importância.
Tinha em todo o fermento que envolvia a Igreja, as comunidades  existentes, os movimentos de libertação , como os camponeses, agricultores, os sem terras que surgem a partir de uma consciência cristã renovada. Estes três componentes interagem e dão à luz as comunidades eclesiais de base.

Que impacto teve as CEBs sobre a vida das pessoas?
Nasce um laicado consciente de ser o portador de boas notícias e não apenas o destinatário, consciência que levou a uma transformação não só das estruturas da Igreja, mas também das estruturas sociais.
Muitos dos que estão agora no sindicato, partido ou outros compromissos sociais fizeram esta caminho. Um exemplo: agricultores e pescadores vinculados a uma dependência dos grandes, a partir da vida da comunidade conseguiram criar cooperativas que ainda existem. O evangélho que os fez comunidade os levou a pensar em como viver esta Palavra em uma transformação que permitia uma vida de dignidade para si e suas famílias e os companheiros.
A consciência de ser povo de Deus os levou a se sentir protagonistas não só na comunidade, mas também na vida social. Todos os movimentos que levaram o Brasil para a transformação democrática deram origem a este caminho de consciência cristã.

Que fatores tentaram impedir a caminhada das CEBS?
Desenvolvido a partir dos anos setenta, foram em plena floração por duas décadas: a extase começou com o processo da teologia da libertação , que também contestava o modo de ser Igreja.
Eu acho que quem assistiu de fora teve medo, porém, mesmo os de dentro aqueles poucos que não tinha feito a escolha, eles estavam com medo e acabaram atrapalhando o percurso provocando assim o enfraquecimento, eles estavam com medo de perderem os poderes e funções, temia um laicado consciente e "politizado”, temia que na teologia da libertação o marxismo fosse infltrado nas CEBS. Do marxismo se tinha usado como ferramenta de análise usando o método ver-julgar-agir, no ver a análise era feita com os paradigmas marxistas. Fernando Belo, publicou um livro sobre o Evangelho, do qual fazia uma leitura política.
A leitura da realidade à luz do Êxodo e Jesus, o Libertador tinha despertado a suspeita de marxismo que na minha opinião era sem fundamento, embora a utopia de uma sociedade igualitária esteja contida na análise marxista.

Alguns viram a falta de espiritualidade?
Eu discordo: um caminho de Igreja que deu tantos mártires - sacerdotes, religiosos e religiosas , bispos, leigos - só pode ser sustentada por uma profunda espiritualidade.

Tiveram outros fatores por trás da crise da CEBS?
Há também causas internas. A experiência nasce nas zonas do interior , nas margens dos rios , no campo : as CEBS ainda não encontraram uma maneira de ser CEB na cidade.
Mas também contribuiu para enfraquecer a propagação do pentecostalismo, nas últimas décadas que responde a uma certa alma que procura o curandeiro mágico, um conforto psicológico, sem compromisso.

Os grupos de Evangelização na cidade que muito se fala hoje em dia são a mesma coisa que CEBS?
Na minha experiência, em Belém, os grupos de evangalização, os circulos biblicos são o caminho para buscar o novo rosto da Cebs na realidade urbana. Eles são a semente da CEBS que estão percorrendo um caminho de busca, porque a utopia da Igreja  povo de Deus e da Igreja a serviço do Reino não está morta, mas é uma pequena flor a crescer. Nesta procura, a sede da Palavra é sempre muito forte: a Palavra lida a partir da vida . E quando as pessoas leigas descobrem  que ser cristão é ligado a verdadeira tradição como utopia presente nos Atos dos Apóstolos, não como algo já realizado, mas como uma utopia a ser realizado.

O livro Gustavo Gutiérrez e Gerhard Ludwig Muller, Do lado dos pobres. A teologia da libertação, a teologia da Igreja (2013 ). O que isso significa?
Ele não é o único sinal de esperança . Neste momento histórico , o documento de Aparecida, nascido da 'assemblea dos bispos latino-americanos em 2007, convoca a utopia das CEBs, a vida das igrejas da América Latina: O Papa Francisco fala muitas vezes da comunidade, de voltar aos pobres.
 Estou convencido de que tanto as CEBS como é a teologia da libertação,  antes de ser uma teoria tem sido uma vida. Mesmo se si fala da morte da teologia da libertação e do CEBS , mesmo que eles  não estão na moda , no entanto, continua porem, a ser a vida de tantas pessoas que acreditam que a comunidade sonhada por Jesus seja um comunidade a serviço da vida e essa continua a ser vivida na base entre o povo. É como um rio subterrâneo que pode parecer extinto, mas caminha debaixo da terra e purificado para vir à tona de água mais clara e refrescante para a vida.
De 7 a 11 de janeiro  próximo será realizado  13º  Intereclesial das CEBS.
É  encontro trienal de todos as CEBS do Brasil, com a presença das CEBS da América Latina. O tema - " Justiça e profecia a serviço da vida:  o lema Romeiros do Reino no campo e na cidade,  é acompanhada por uma texto base de reflexão em preparação para o encontro. Promovido pelo Conselho Permanente da Cebs, do qua faz parte dois bispos, sacerdotes, religiosos e leigos , tem a finalidade de avaliar o caminho das CEBS e atraçar  novos para os próximos três anos , de acordo com o método de ver , julgar e agir.

Os bispos brasileiros, por isso, continuam a acreditar nas CEBS?
O episcopado latino-americano nunca negou esta escolha, alias, o fato de que a Conferência dos Bispos do Brasil nomeou dois bispos para representar o Conselho de CEBS é um sinal da importância que atribui a este caminho. É  a igreja brasileira que cuida do caminho do CEBS. Claro que isso pode ser visto como uma tentativa de recuperar , mas a história nunca vai voltar : pode haver um período de calmaria , mas a vida se move para frente .
Nas danças circulares sagradas, dança-se dezesseis passos pra frente e volta-se quatorze porque a vida nunca retorna ao mesmo ponto, ha sempre um crescimento. A experiência nunca será esquecida.
O Papa Francisco não veio por acaso: é o resultado de um caminho, de uma pastoral ,  de uma igreja, de um sentimento, como Jesus é o fruto do anawim , do povo pobre de Israel , do percurso de um povo. Uma experiência que  a vida nunca volta ao ponto zero.

Missionaria Xaveriana Tea Frigerio está no Brasil desde 1974. Ela vive nos subúrbios de Belém (Pará). Professora de Sagrada Escritura, foi a coordenadora e diretora do Departamento do Instituto de Pastoral Regional.
Desde 1985, ela é membro do Centro de Estudos Bíblicos.

Desde 1999 também anima o caminho da leitura popular da Bíblia na Italia. Entre seus livros, lembro: O desafio do patriarcado, Leitura feminista do Livro de Ruth (2011) e uma fonte de água viva (2006) .

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

TOLERANCIA NÃO! RESPEITO!

(texto elaborado por Tea Frigerio a partir do artigo de Leonardo Boff: Diálogo Inter-religioso)



O diálogo inter-religioso é uma das demandas mais urgentes nesta fase planetária da humanidade. O fundamentalismo e o terrorismo atuais se enraízam profundamente em convicções religiosas. Só motivações que se fundam num sentido radical que transcende os sentidos históricos sustentam a coragem de pessoas, dispostas a se sacrificarem e a virarem pessoas-bombas para destruir outros, tidos como inimigos. Esse sentido é, normalmente, produzido pelas religiões. Atrás dos principais conflitos do final do século XX e dos inícios do novo milênio possuem um transfundo religioso.

Representantes de diversas religiões celebram juntos.
Fotografia de Rita Melém durante o quarto Ato de Combate à Intolerância religiosa
 realizado pelo 
Comitê Inter-Religioso do Estado do Pará em Belém no domingo 19/01. 
Samiuel P. Huntington, escreveu em seu livro O choque de civilizações: ”No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que motiva e mobiliza as pessoas… O que em última análise conta para as pessoas não é a ideologia política nem o interesse econômico; mas aquilo que com que as pessoas se identificam são as convicções religiosas, a família e os credos. É por estas coisas que elas combatem e até estão dispostas a dar a sua vida”(p.79).
Efetivamente, não obstante o processo de secularização e do eclipse do sagrado com a introdução da razão crítica a partir do Iluminismo do século XVIII, a religião sobreviveu a todos os ataques nem precisou ir ao exílio. Ao contrário, as últimas décadas assistiram a uma volta poderosa do fator religioso e místico em todas as sociedades mundiais. É a religião a cosmovisão comum da maioria da humanidade. Nela encontra orientação para a vida e dela deriva atitudes éticas. Bem formulou Ernst Bloch, o filósofo marxista que resgatou o sentido profundo da religião: “onde há religião, ai há esperança”. E onde há esperança surgem incontáveis razões para lutar, para sonhar, para projetar utopias e dar sentido à vida e à história.
Então, há se partir do fato incisivo da religião, melhor, do pluralismo religioso. Há tantas religiões quantas culturas há. Como todas as religiões trabalham com um sentido último e com valores que orientam a vida, correm o risco permanente de fundamentalismo, de se imaginarem absolutas e as melhores. Esta atitude, está a um passo da guerra religiosa, coisa que ocorre com frequência na história. As religiões precisam, então, de se conhecer, de entrar em diálogo e de buscarem convergências mínimas que lhes permitem conviver pacificamente. 

Antes de mais nada importa reconhecer o pluralismo religioso, de fato e de direito. O fato é inegável, basta constatá-lo. A questão é sua legitimação de direito. Neste ponto há divergências profundas, há religiões que mostram sua arrogância latente e seu fundamentalismo explícito, pois, julgam-se as portadoras exclusivas da revelação divina e as únicas herdeiras da gesta salvadora da Divindade na história.
Mas importa defender o direito à pluralidade. Em primeiro por uma razão interna à própria religião. Nenhuma religião pode pretender enquadrar a Divindade, o Mistério, a Fonte originária de todo ser ou qualquer nome que quisermos dar à Suprema Realidade, nas malhas de seu discurso e de seus ritos. Se assim fora, a Divindade seria um pedaço do mundo, na realidade um ídolo. Perderia totalmente sua transcendência a qualquer objetivação humana. Ele está sempre mais além e sempre mais acima. Então, há espaço para outros nomes, outras expressões e outras formas de celebrá-lo que não seja  exclusivamente através duma unica expressão religiosa.
O diálogo entre as religiões segue um caminho singular. Não pode começar pela discussão das doutrinas, mas pela conscientização da espiritualidade que une a todos. E isso se faz pela oração. O diálogo começa quando todos começam a orar junto. Orar é mergulhar na espiritualidade. Ai as pessoas começam a se conhecer, a descobrir a bondade de um e de outro, a piedade, a reverência e a busca sincera de “Deus”, da “Deusa”. As doutrinas ficam relativizadas em nome da vida concreta, inspirada pela respectiva religião. Logicamente, tudo o que é sadio pode ficar doente. Todas as religiões incorporam desvios, endurecimentos, atitudes fundamentalistas de grupos. Aqui há um vasto campo de recíproca crítica e de processos de purificação. Assim como a doença remete à saúde, de forma semelhante os desvios permitem que a essência verdadeira da religião venha à tona. Deste diálogo orante nascem os pontos de convergência que fundam a paz possível entre as religiões.
Efetivamente chegou-se a estabelecer os pontos comuns elencados ainda em 1970 na Conferência Mundial das Religiões em favor da Paz em Kyoto. Esses pontos convergentes foram assim formulados:
1. Há uma unidade fundamental da família humana em igualdade e dignidade de todos os seus membros.
2. Cada ser humano é sagrado e intocável, especialmente, em sua consciência.
3. Toda comunidade humana representa um valor.
4, O poder não pode ser igualado ao direito. O poder jamais se basta a si mesmo, não é jamais absoluto e deve ser limitado pelo direito e pelo controle da comunidade.
5. A fé, o amor, a compaixão, o altruísmo, a força do espírito e a veracidade interior são, em última instância, muito superiores ao ódio, à inimizade e ao egoismo.
6. Deve-se estar, por obrigação, do lado dos pobres e oprimidos e contra seus opressores.
7. Alimentamos profunda esperança de que no final a boa vontade  triunfará.
Esse diálogo não se exaure em si mesmo. Ele se ordena a algo maior: à paz entre os povos, à paz com a Terra, à paz com os ecosistemas, à paz do ser humano consigo mesmo e à paz com a Fonte originária de onde veio e para onde vai. Essa paz é, como bem o definiu a Carta da Terra,”a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, com outras culturas, com outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte”.
A tolerância ativa, o respeito, o amor entre as religiões significa, portanto, a convivência pacífica e alegre entre as mais diversas religiões que vêem em sua diversidade uma riqueza do único e mesmo Mistério fontal.

 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

DISCIPULADO DE MULHERES - SAMARITANA

Por Tea Frigerio

Ir, ver, estar, conhecer, seguir, amar, testemunhar, anunciar, são os verbos do discipulado.
Nem todo ir é andar de discípulo, de discípula.



A mulher ia todo dia ao poço. Um ir obrigado. Um ir cotidiano. Um ir trabalho. Era sua tarefa cotidiana: dura, escaldante, pesada, monótona.
Aquele dia, como todo dia foi com seu cântaro atingir água ao poço. De longe avistou um homem, um viajante. Receosa se aproximou: ignorar, estar alerta para o que der e vier. O desconhecido podia se tornar um perigo, uma ameaça?
O passo firme, o coração vacilando e ao chegar ao poço um pedido a surpreendeu: “dá-me de beber” (Jo 4,7). O homem era judeu e bem atrevido lhe dirigia a palavra em publico e pedia água. A água da hospitalidade a uma mulher samaritana!

Hospitalidade é sagrada. Ao viajante não se pode negar água, mas pode-se questionar: “como tu pede água a uma mulher, a uma samaritana?” (Jo 4,9).
No pedido, na interrogação inicia-se a conversa. Conversa que começa a partir do trabalho, passa pela vida pessoal, entra na religião. Conversa que ora corre paralela, ora é desencontro, até se tornar encontro, parceria.

Água, água viva, dom, derramar do Espírito, memória bíblica, espiritual a fala de Jesus.   Ao falar de água a mulher tem um objetivo claro: tornar menos pesado e entediado seu trabalho. Quem sabe o judeu tenha um segredo para não vir mais até a nascente e e mesmo assim ter abundância de água. Falas que correm paralelas sem se encontrar.
E teu marido pergunta Jesus? É vida pessoal! Ao falar de sua vida pessoal a samaritana fecha a conversa: no íntimo da pessoa pode entrar somente quem tem entrada franca. O homem, o judeu, o inimigo atávico do seu povo, considerada raça mestiça e heterodoxa, não tem permissão de entrar. Desencontro, embora as palavras acordem uma memória antiga a da origem do seu povo.
Então a mulher dá uma virada, ela toma a palavra, puxa a conversa e o assunto é religião. Religião era justamente um dos motivos da inimizade: ”Onde adorar no Garizim ou em Jerusalém?” “Nem no Garizim nem em Jerusalém, em espírito e verdade” (Jo 4,19-21.23).
A mulher entende, pois sua experiência fala de corpo habitado na gestação. E, se o corpo da mulher pode ser habitado, o corpo humano pode ser habitação de Deus.

Judeu, homem, profeta, enviado, palavras de encontro, palavras de diálogo, palavras de revelação. “És quem esperamos? Sou Eu que falo contigo” (Jo 4,25-26). À pergunta uma resposta, revelação: Sou eu.
O andar se torna correr. O cântaro é esquecido. Não é água que oferece! Oferece um anuncio, um testemunho: “Venham ver encontrei, ele me disse tudo o que fiz!” (Jo 4,39).
Na sua voz ecoam as palavras de Jesus: “Mestre onde moras? Venha ver!” (Jo 1,39).
Na corrente do discipulado, um novo anel. No anuncio a parceria. Mulher, Samaritana, discípula, evangelizadora.

Ver, andar, conversar, pedir, questionar, dialogar, abrir-se ao Outro, à Outra, o nascer da parceria do anuncio, da parceria do Reino.

Poço: memória matriarcal
Poço: trabalho duro
Poço: encontro desafiante
Poço: revelação surpreendente
Poço: anuncio novidade
Poço: testemunho parceria
Poço: memória da mulher Samaritana.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

CARTA FINAL DO 13º INTERECLESIAL DE COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE DO BRASIL AO POVO DE DEUS




Irmãs e irmãos da caminhada,

Maria pôs-se a caminho ... entrou na casa e saudou Isabel ... bem aventurada tu que acreditaste ... as crianças estremeceram de alegria no ventre ...” (cf. Lc 1,39-45)

Em atitude romeira, o povo das Comunidades Eclesiais de Base de todos os cantos do Brasil colocou-se a caminho respondendo ao chamado da grande fogueira acesa pela Diocese de Crato-CE, convocando para o 13º Intereclesial. A luz da fogueira alumiou tão alto que fez acorrer representantes de Igrejas irmãs evangélicas e de outras religiões. Até foi avistada em toda a América Latina e Caribe, Europa, África e Ásia.

O Cariri, “coração alegre e forte do Nordeste”, se tornou a “casa” onde se encontraram a fé profunda do povo romeiro, nascida do testemunho do padre Ibiapina e do padre Cicero, da beata Maria Madalena do Espírito Santo Araújo e do beato Zé Lourenço, com a fé encarnada do povo das CEBs nascida do grito profético por justiça e da utopia do Reino.
Houve um encontro entre a Religiosidade popular e a Espiritualidade libertadora das CEBs. As duas reafirmaram seu seguimento de Jesus de Nazaré, vivido na fé e no compromisso com a justiça a serviço da vida.

Bem aventurado o povo que acreditou!
A moda da viola e da sanfona cantou este acreditar. As palavras de dom Fernando Panico, bispo de Crato, na celebração de abertura confirmaram este acreditar, proclamando: as CEBs são o jeito da Igreja ser. As CEBs são o jeito “normal” da Igreja ser. Jeito normal de o povo de Deus responder no hoje à proposta de Jesus: ser comunidade a serviço da vida.
Ao ouvir a proclamação desta boa noticia, o ventre do povo que veio em romaria para Juazeiro do Norte ficou de novo grávido deste sonho, desta utopia. A esperança foi fortalecida. A perseverança e a resistência na luta foram confirmadas. O compromisso com a justiça a serviço do bem-viver foi assumido.

E a alegria estourou como fogos a vista e do meio da alegria escutamos a memória da voz querida de dom Helder Câmara, a se fazer ouvir: Não deixem a profecia cair! Não deixem a profecia cair!
A profecia não caiu. Ecoou nas palavras do índio Anastácio: “Roubaram nossos frutos, arrancaram nossas folhas, cortaram nossos galhos, queimaram nossos troncos, mas não deixamos arrancar nossas raízes.” Raízes indígenas e quilombolas que afundam na memória dos ancestrais, no sonho de viver em terras demarcadas, livres para dançar, celebrar e festejar a terra que é mãe.
Emergiu a memória do padre Ibiapina, que já incentivava a construção de cisternas de pedra e cal e o plantio de árvores frutíferas, para conviver com a realidade do semiárido. Reanimava assim a esperança e a dignidade do povo sertanejo. O protagonismo da beata Maria Araújo canalizou os desejos mais profundos de vida e vida em abundância, o que incomodou os grandes e a hierarquia eclesiástica. O padre Cícero e o beato Zé Lourenço continuaram acolhendo os excluídos no mesmo espirito de Ibiapina. Organizaram a comunidade do Caldeirão movida pela fé, trabalho, fartura e liberdade. Esta forma de convivência com o semiárido tem continuidade nas CEBs, nas pastorais e entidades comprometidas com os pobres,
A profecia ecoou na análise de conjuntura, que levou a constatar que o Brasil ainda precisa reconhecer que no campo e na cidade, não basta realizar grandes projetos. O grande capital prioriza o agro e hidro negócio e as mineradoras, continuando a expulsar do campo para concentrar as pessoas nas cidades, tornando-as objeto de manipulação e exploração, de concepções dominadoras e produtoras de profundas injustiças. O povo continua sendo despojado de sua dignidade: seus filhos e filhas definham no mercado das drogas e no tráfico de pessoas; é destituído de seus direitos à saúde, educação, moradia, lazer; a juventude é exterminada, obscurecendo a possibilidade de se projetar no futuro por falta de oportunidades; ainda existem preconceitos e outras violências marcam as relações de etnia, cor, idade, gênero, religião. Percebemos que transformar os cidadãos e cidadãs em consumidores é ameaça para o “Bem Viver”.

Ranchos (miniplenários) e chapéus (grupos) tornaram-se espaços de partilha das experiências de busca para compreender a sociedade que é o chão onde as CEBs labutam e vivem.
E nos passos de padre Cicero, as CEBs se tornaram romeiras nas veredas do Cariri, conhecendo realidades e comunidades; vivenciando a firmeza dos mártires e profetas; experimentando a partilha e a festa do jeito que o povo nordestino sabe fazer.

A sabedoria dos patriarcas e das matriarcas nos acompanhou resgatando a memória e orando: “Só Deus é grande”, “Amai-vos uns aos outros”.
A grandeza de Deus se revela nos romeiros, povo sofrido que ao assumir a organização da romaria, na prática da solidariedade, na reza e no canto dos benditos se torna protagonista e ressignifica o espaço da vida diária.
O amor é manifestado na profecia da mulher que no acariciar, no amassar o pão, na liderança e revolução carrega em seu ventre nossa libertação; na profecia que por amor à justiça se torna ecumênica; em Jesus de Nazaré que por primeiro viveu a justiça e a profecia a serviço da vida e nos desafia a sermos CEBs Romeiras do Reino no campo e na cidade.
A vivência comunitária no terreiro do semiárido renovou nosso acreditar. Exultamos de alegria como as crianças que saltaram de alegria no ventre das mães vislumbrando o novo. O Reino se fez presente no meio de nós. Seus sinais estão presentes na irmandade: oramos e refletimos, reavivamos à nossa frente rostos de mártires e profetas da caminhada, refletimos e debatemos, formamos a mesma fila para comer juntos a gostosa comida do Cariri, à mesma pia lavamos nossos pratos. Na circularidade do serviço, do canto, do testemunho reafirmamos o compromisso de ser CEBs: Romeiras do Reino, profetas da justiça que lutam pela vida, a serviço do bem-viver, sementes do Reino e da sua Justiça, comunidades profetas de esperança e da alegria do Evangelho. 
Romeiros e romeiras sempre voltam para seu chão, repletos de fé e esperança. Nós também voltamos como romeiros e romeiras grávidos da utopia do Reino que é das CEBs. Voltamos para nosso chão, com uma mensagem do papa Francisco, bispo de Roma e Primaz na Unidade. Dele recebemos reconhecimento, encorajamento, convite a continuarmos com pisada firme a caminhada de sermos Igreja Romeira da justiça e profecia a serviço da vida.
Juntamo-nos à voz de Maria que louvou ao Deus da vida que realiza suas maravilhas nos humilhados. Unamos nossas vozes á sua para com ela derrubar os poderosos de seus tronos e elevar os humildes, despedir os ricos de mãos vazias e encher de fartura a mesa dos empobrecidos.
Irmãs e irmãos, vos abraçamos com amorosidade. Amém, Axê, Auerê, Aleluia!


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

DISCIPULADO DE MULHERES: MARIA A MÃE DE JESUS

Por Tea Frigerio

O ano de 2014 seja para nós luminosos pela presença da Divina Ruah que com sua luz e energia vital nos acompanhe e guie em nosso caminhar.
Discipulado de mulheres é uma chave de leitura do Evangelho da Comunidade dos e das discípulas amadas.
Desejo que essas reflexões provoquem outras e nos levem para caminho ousados, mas sobretudo comprometidos com a vida.



O Evangelho de João se focaliza na figura do discipulado. Discipulado que fala de seguimento, que fala de testemunho.
Seguimento, testemunho apontam para um encontro, uma relação pessoal. Encontro, relação que levam a aderir a uma pessoa: Jesus de Nazaré.
Os dois discípulos ao ouvir João Batista apontar Jesus como Cordeiro de Deus, ao encontrá-lo perguntam “Mestre onde moras?” e Jesus responde para eles “vinde e vedes!” João 1,35-39.
Ir, ver, conhecer, amar, seguir, testemunhar: são os verbos, as ações, o processo que gera o discípulo, a discípula amada. A experiência, de ir e ver, foram em tal grado intensa que a memória chega até nós e influencia nossa relação com Jesus, o Mestre amado.
Nós, as discípulas e discípulos de Jesus, hoje, somos anéis de longa corrente de testemunhas: André e João, Pedro e Felipe, Natanael, Samaritana, Marta e Maria, Lázaro, Maria Madalena... Com eles, com elas queremos apreender a ser discípulas, discípulos amados.
           
Ao fazer a memória desses nossos antepassados, dessas nossas antepassadas não podemos começar se não por uma, aquela que foi a primeira discípula: Maria a Mãe de Jesus.
A comunidade de João a lembra em dois acontecimentos: nas Bodas de Canaã (João 2,1-12), aos pés da cruz (João 19,25-27).

Nas Bodas de Canaã, Maria estava presente com seu filho. Ao perceber a falta de vinho provoca a antecipação da hora de Jesus. Faz isso pronunciando uma frase: “Fazei tudo aquilo que ele vos disser”. São palavras de aliança, são palavras que fundamentam o seguimento de Jesus.
Aliança firmada no Monte Sinai geradora do Povo de Deus (Ex.19,6-8). Aliança a ser firmada aqui na festa de casamento que gera o novo Povo de Deus: a Comunidade.
Seguimento que pede olhar atento às necessidades. Seguimento que convida a escutar a voz do Mestre. Seguimento que é atenção e compreensão dos sinais que o Mestre realiza. Ver, ouvir, discernir os sinais que suscitam o crer, que suscitam vida nova.
Aos pés da cruz Maria está presente com seu Filho. A fidelidade ao Pai levou Jesus a assumir a morte na cruz. A fidelidade ao caminho do filho levou Maria a assumir o seu destino. As fidelidades ao Pai e ao Filho lhe pedem nesta hora de entregar o Filho, lhe pedem de acolher outro filho. É a herança que Jesus lhe deixa: “Mulher, eis aí teu Filho”.
Aos pés da cruz a Mãe de Jesus, com outras mulheres. Aos pés da cruz, dor, solidariedade, cumplicidade fazem nascer a Igreja no cuidado de uma mulher, no testemunho de mulheres. Igreja, comunidade dos discípulos e das discípulas amadas que testemunha que o amor é circular.

Maria Mãe

Maria discípula
Maria testemunha
Maria aberta à vida
Maria seguindo os passos do Filho
Maria coração aberto que acolhe e derrama amor

Maria ensina-nos a ser contigo mãe, discípula, testemunha do teu Filho Jesus.