Por Tea Frigério
“Ora Jesus amava Marta e sua irmã e Lázaro.” (João
11,3.5)
Caríssima amiga Marta,
Há tempo queria escrever-te.
Expressar palavras que rompam o tempo e alcançar-te em Betânia. Escrever-te
para desculpar-me. Escrever-te para agradecer-te.
Desculpar-me por quê? Lembras as
palavras escritas em Lucas? “Marta,
Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas... Maria, com efeito,
escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.” (Lc 10,41-42). Desde as
aulas de catecismo disseram-me que foi Jesus quem as disse e, por causa destas
palavras sempre te preteri, sempre quis ser como Maria: sentada aos pés de
Jesus, silenciosa escutando.
Silenciosa escutando, para
alcançar a melhor parte, pois tu estavas demais atarefada, preocupadas com as
coisas materiais, fechada nos afazeres domésticos. Mais tarde nas reflexões acrescentaram
que estavas acomodada, integrada ao mundo patriarcal. Estas palavras levaram-me
a negar-te e a negar a me mesma. Queria sentar aos pés de Jesus, silenciosa,
escutar as palavras do Mestre.
Diziam-me e dizia a me mesma:
“Maria entendeu que a mulher, também pode ser discípula, pois a atitude de tua
irmã Maria, sentar aos pés era a atitude do discipulado”. Entende bem, agora
percebo que esta era uma parte da verdade e, na realidade Maria ajudou-me a
descobrir que é possível a mulher ser discípula, que Jesus queria isso. Não
suspeitava que pudesse houver por trás um conflito, uma tentativa de negar tua
liderança, de despojar-te, de domesticar tua ousadia, de roubar-te a voz e a vez.
Não suspeitava que houvesse a tentativa de banalizar e domesticar tua liderança
fora da comunidade dos e das discípulas amadas.
Não via os sinais! Embora estivessem
aí e falassem.
Em tua casa Jesus se hospedava (Lc
10,38). Era a tua casa, não de teu irmão Lázaro. Em tua casa, livre, ousada,
sem medo das falações, superando tradições, vencendo preconceitos, hospedavas o
homem Jesus. A tua casa, era a casa que acolhia a comunidade. A tua casa, era a
casa que guardava a memória de Jesus e da partilha do pão. Em tua casa, não de
Maria, nem de Lázaro que se ensaiaram os primeiros passos, o novo. A liderança
era tua. Liderança atenta e ativa na administração cotidiana, na administração
do sonho, da utopia de relações novas.
A liderança que aflorava nas
atitudes, nos gestos: hospedavas, acolhias, mas também questionavas: “Senhor, não te importas que minha irmã me
deixe sozinha fazer o serviço?” (Lc 10,40). Enviastes recados: “quem amas está doente” (João 11,3). Tomastes iniciativa e repreendestes
pela demora: “se estivesses aqui” (João
11,21). Dialogavas, debatias, avançando, aberta ao novo. Ousavas gestos,
palavras reservadas aos homens. Ocupastes lugar, papel que outras comunidades
reservaram a Pedro, o primado de professar: “Sim,
Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo” (João
11,27).
Ousada, percebeste o vento da
novidade. Ousada te deixaste levar na força do vento. Ousada voltaste no ventre
de tua mãe e renasceste, ressuscitaste ousando viver as palavras “O vento sopra onde quer e ouves o ruído,
mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com toda aquela que
nasceu da Ruah” (João 3,8). Palavras que outro, Nicodemos, mestre em Israel,
custou a entender. Palavras que ressoaram em teus ouvidos, em teu coração, em
teu corpo. Corpo que ansiava ficar de pé, ter a dignidade restaurada. Mente e
corpo, negando o que a tradição, os costume, a cultura, a religião te obrigavam
a viver. Mente e corpo que percebiam, vislumbravam, guardavam a memória de
outras mulheres... E, quando ouviste as palavras de Jesus: “Removei a pedra... vem para fora... desatai-o e deixa-o andar” (João
11,39-44) e Lázaro, teu irmão amado, voltou à vida, voltou a andar. Ouviste e
percebeste que já havias tirado a pedra, já havias saído do túmulo, já havias
tirado as amarras e o sudário, livre andavas de pé, cabeça erguida: havias
ressuscitado.
Os discípulos e as discípulas
amadas te olhavam e, reconheceram a tua ousadia, a liderança, a diakonia.
Eles reconheceram, mas outros... E
assim passaram a memória que estavas atarefada. A diakonia virou serviço
doméstico. A vigilância, a atenção, o guardar e viver a memória preocupação de muitas coisas. E o que
vale é somente sentar aos pés de...
Duas irmãs, irmanadas pelos mesmos
sonhos, ensaiando o novo juntas, acolhendo em vocês a diversidade: que coisa
bonita! O patriarcalismo vos tornou antagônicas e antagonistas, competitivas na
tentativa de negar tua liderança, Marta.
Então Marta vê por que tenho que
te agradecer, romper o tempo, encurtá-lo para dizer-te:
Obrigada pela ousadia:
Ousadia que vence os medos
Ousadia que vence a rotina
Ousadia que vence a introgeção.
Ousadia das palavras
Ousadia das atitudes
Ousadia dos gestos.
Ousadia que supera o preconceito,
Rompe barreiras
Abre horizontes.
Ousadia de questionar,
Provocar, inquirir, repreender,
Interpelar, sugerir, antecipar,
Sair às ruas, ao encontro.
Ousadia que atenta falar de teologia,
Proclamar a fé
Ocupar espaços
Assumir liderança
Inventar o novo.
Obrigada Marta!
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