quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

DISCIPULADO DE MULHERES: CARTA À AMIGA MARTA

Por Tea Frigério

“Ora Jesus amava Marta e sua irmã e Lázaro.” (João 11,3.5)

Caríssima amiga Marta,
Há tempo queria escrever-te. Expressar palavras que rompam o tempo e alcançar-te em Betânia. Escrever-te para desculpar-me. Escrever-te para agradecer-te.
Desculpar-me por quê? Lembras as palavras escritas em Lucas? “Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas... Maria, com efeito, escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.” (Lc 10,41-42). Desde as aulas de catecismo disseram-me que foi Jesus quem as disse e, por causa destas palavras sempre te preteri, sempre quis ser como Maria: sentada aos pés de Jesus, silenciosa escutando.
Silenciosa escutando, para alcançar a melhor parte, pois tu estavas demais atarefada, preocupadas com as coisas materiais, fechada nos afazeres domésticos. Mais tarde nas reflexões acrescentaram que estavas acomodada, integrada ao mundo patriarcal. Estas palavras levaram-me a negar-te e a negar a me mesma. Queria sentar aos pés de Jesus, silenciosa, escutar as palavras do Mestre.
Diziam-me e dizia a me mesma: “Maria entendeu que a mulher, também pode ser discípula, pois a atitude de tua irmã Maria, sentar aos pés era a atitude do discipulado”. Entende bem, agora percebo que esta era uma parte da verdade e, na realidade Maria ajudou-me a descobrir que é possível a mulher ser discípula, que Jesus queria isso. Não suspeitava que pudesse houver por trás um conflito, uma tentativa de negar tua liderança, de despojar-te, de domesticar tua ousadia, de roubar-te a voz e a vez. Não suspeitava que houvesse a tentativa de banalizar e domesticar tua liderança fora da comunidade dos e das discípulas amadas.

Não via os sinais! Embora estivessem aí e falassem.
Em tua casa Jesus se hospedava (Lc 10,38). Era a tua casa, não de teu irmão Lázaro. Em tua casa, livre, ousada, sem medo das falações, superando tradições, vencendo preconceitos, hospedavas o homem Jesus. A tua casa, era a casa que acolhia a comunidade. A tua casa, era a casa que guardava a memória de Jesus e da partilha do pão. Em tua casa, não de Maria, nem de Lázaro que se ensaiaram os primeiros passos, o novo. A liderança era tua. Liderança atenta e ativa na administração cotidiana, na administração do sonho, da utopia de relações novas.

A liderança que aflorava nas atitudes, nos gestos: hospedavas, acolhias, mas também questionavas: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha fazer o serviço?” (Lc 10,40). Enviastes recados: “quem amas está doente” (João 11,3). Tomastes iniciativa e repreendestes pela demora: “se estivesses aqui” (João 11,21). Dialogavas, debatias, avançando, aberta ao novo. Ousavas gestos, palavras reservadas aos homens. Ocupastes lugar, papel que outras comunidades reservaram a Pedro, o primado de professar: “Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo” (João 11,27).

Ousada, percebeste o vento da novidade. Ousada te deixaste levar na força do vento. Ousada voltaste no ventre de tua mãe e renasceste, ressuscitaste ousando viver as palavras “O vento sopra onde quer e ouves o ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com toda aquela que nasceu da Ruah” (João 3,8). Palavras que outro, Nicodemos, mestre em Israel, custou a entender. Palavras que ressoaram em teus ouvidos, em teu coração, em teu corpo. Corpo que ansiava ficar de pé, ter a dignidade restaurada. Mente e corpo, negando o que a tradição, os costume, a cultura, a religião te obrigavam a viver. Mente e corpo que percebiam, vislumbravam, guardavam a memória de outras mulheres... E, quando ouviste as palavras de Jesus: “Removei a pedra... vem para fora... desatai-o e deixa-o andar” (João 11,39-44) e Lázaro, teu irmão amado, voltou à vida, voltou a andar. Ouviste e percebeste que já havias tirado a pedra, já havias saído do túmulo, já havias tirado as amarras e o sudário, livre andavas de pé, cabeça erguida: havias ressuscitado.

Os discípulos e as discípulas amadas te olhavam e, reconheceram a tua ousadia, a liderança, a diakonia.
Eles reconheceram, mas outros... E assim passaram a memória que estavas atarefada. A diakonia virou serviço doméstico. A vigilância, a atenção, o guardar e viver a memória preocupação de muitas coisas. E o que vale é somente sentar aos pés de...
Duas irmãs, irmanadas pelos mesmos sonhos, ensaiando o novo juntas, acolhendo em vocês a diversidade: que coisa bonita! O patriarcalismo vos tornou antagônicas e antagonistas, competitivas na tentativa de negar tua liderança, Marta.

Então Marta vê por que tenho que te agradecer, romper o tempo, encurtá-lo para dizer-te:

Obrigada pela ousadia:
Ousadia que vence os medos
Ousadia que vence a rotina
Ousadia que vence a introgeção.
Ousadia das palavras
Ousadia das atitudes
Ousadia dos gestos.
Ousadia que supera o preconceito,
Rompe barreiras
Abre horizontes.
Ousadia de questionar,
Provocar, inquirir, repreender,
Interpelar, sugerir, antecipar,
Sair às ruas, ao encontro.
Ousadia que atenta falar de teologia,
Proclamar a fé
Ocupar espaços
Assumir liderança
Inventar o novo.
Obrigada Marta!



                                               

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