domingo, 23 de fevereiro de 2014

Discipulado de mulheres - O perfume encheu a casa

Texto de Tea Frigério - Assessora do CEBI Pará

“Maria tomou uma libra de perfume de nardo puro, muito caro, ungiu com ele os pés de Jesus e os enxugou com seus cabelos. A casa se encheu com o perfume.” (João 12,3).
Ungir, enxugar os pés com os cabelos, gestos de muita intimidade. Maria costumava sentar aos pés de Jesus, para escutá-lo (Lc 10,39; João 11,32). Tinha espiado para os aprendizes de discípulo fazer isso com seus mestres. Tinha ouvido falar que sentar aos pés do mestre era uma frase técnica que indicava estar no caminho do discipulado. Tinha visto e ouvido. Tinha desejo... Desejo, anseio profundo guardado em seu coração. Desejo e anseio acalentado longamente, mas, secreto.
Era proibido às mulheres estudar as Escrituras, ter nas mãos os rolos sagrados. Desde pequena, na sinagoga no lugar das mulheres escutava com atenção as Palavras. Mas que desejo ardente de tomar nas mãos os rolos, ler, estudar, enfim ser discípula. Não podia, era negado, era caminho somente para os homens.
Até que Jesus passou por Betânia e sua irmã Marta, rompendo as tradições o acolheu em sua casa. Então ela ousou e o Mestre acolheu, e se tornou discípula. Com elas outras a seguiram, trilharam o caminho do discipulado.
“O Mestre está aqui e te chama”, dissera-lhe sua irmã Marta. E, Maria “ao ouvir, levantou depressa, se dirigiu a ele... caiu aos seus pés” (João 11,28-29.32). Chamar, ouvir, seguir, estar aos pés o caminho do discipulado e Maria viveu tudo isso. Viveu e foi além.  Foi discípula e profetiza.
Aos pés de Jesus para escutar seu projeto, aos pés de Jesus para ungir e consagrar o projeto.

Ungir com perfume abundante e precioso. Assim como havia apreendido aos pés e com o Mestre: amor generoso e gratuito que permeava o agir de Jesus.
Ungir e derramar o perfume, como será derramado até a última gota o sangue “daquele que amou e amou até o fim” (João 13,1).
Ungir para preparar para luta, fortalecer na dor, no abandono, na traição da paixão. Ungir para realizar a unção do corpo que não poderá ser feita por causa da Páscoa. Ungir para antecipar a entrega total e radical.
Ungir, derramando todo o perfume precioso, para declarar a Jesus seu amor; para dizer a Jesus que sim entendeu seu projeto, sua proposta; para prometer sua fidelidade e radicalidade; para lhe assegurar que guardaria a memória; para lhe garantir continuidade.
“A casa se encheu com o perfume” (João 12,3). A casa, a comunidade que guarda e vive a memória de Jesus seu Mestre, enche de perfume o mundo inteiro.“Pobres sempre tereis entre vós, a mim não me tereis” (João 12,8). Casa, comunidade, ouvintes que ao fazer memória da mulher do perfume recordarão a presença de Jesus, recordarão seu chamado e apressadamente se levantarão para encontrá-lo, se jogar aos seus pés, escutá-lo e refazer o gesto de derramar todo o perfume, o perfume bom de Jesus, o perfume bom do seu projeto.“Levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e marrou-a na cintura. Colocou água na bacia e começou a lavar os pés...” (João 13,4-5).  Ungir os pés, lavar os pés ... Assim como ela fez, ele fez. Assim nós devemos lavar os pés uns dos outros.

“Não tem amor maior que dar a vida para seus amigos e amigas” (João 15,13).

A casa se encheu com o perfume!
Perfume de nardo
Para fortalecer
Concedendo a intuição
Ajudando a superar os medos
A solidão,
A incerteza do futuro.
Para infundir coragem
Na provação
Na dificuldade
Na solidão.
Perfume do amor,
Amorosidade,
Fidelidade, compartilhar,
Estar com...
Unção de profeta.
E assim Ele viveu o amor até o fim
Ungido, fortalecido, amado.
No perfume que se expande e permanece no ar.



Tea Frigerio

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

DISCIPULADO DE MULHERES: CARTA À AMIGA MARTA

Por Tea Frigério

“Ora Jesus amava Marta e sua irmã e Lázaro.” (João 11,3.5)

Caríssima amiga Marta,
Há tempo queria escrever-te. Expressar palavras que rompam o tempo e alcançar-te em Betânia. Escrever-te para desculpar-me. Escrever-te para agradecer-te.
Desculpar-me por quê? Lembras as palavras escritas em Lucas? “Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas... Maria, com efeito, escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.” (Lc 10,41-42). Desde as aulas de catecismo disseram-me que foi Jesus quem as disse e, por causa destas palavras sempre te preteri, sempre quis ser como Maria: sentada aos pés de Jesus, silenciosa escutando.
Silenciosa escutando, para alcançar a melhor parte, pois tu estavas demais atarefada, preocupadas com as coisas materiais, fechada nos afazeres domésticos. Mais tarde nas reflexões acrescentaram que estavas acomodada, integrada ao mundo patriarcal. Estas palavras levaram-me a negar-te e a negar a me mesma. Queria sentar aos pés de Jesus, silenciosa, escutar as palavras do Mestre.
Diziam-me e dizia a me mesma: “Maria entendeu que a mulher, também pode ser discípula, pois a atitude de tua irmã Maria, sentar aos pés era a atitude do discipulado”. Entende bem, agora percebo que esta era uma parte da verdade e, na realidade Maria ajudou-me a descobrir que é possível a mulher ser discípula, que Jesus queria isso. Não suspeitava que pudesse houver por trás um conflito, uma tentativa de negar tua liderança, de despojar-te, de domesticar tua ousadia, de roubar-te a voz e a vez. Não suspeitava que houvesse a tentativa de banalizar e domesticar tua liderança fora da comunidade dos e das discípulas amadas.

Não via os sinais! Embora estivessem aí e falassem.
Em tua casa Jesus se hospedava (Lc 10,38). Era a tua casa, não de teu irmão Lázaro. Em tua casa, livre, ousada, sem medo das falações, superando tradições, vencendo preconceitos, hospedavas o homem Jesus. A tua casa, era a casa que acolhia a comunidade. A tua casa, era a casa que guardava a memória de Jesus e da partilha do pão. Em tua casa, não de Maria, nem de Lázaro que se ensaiaram os primeiros passos, o novo. A liderança era tua. Liderança atenta e ativa na administração cotidiana, na administração do sonho, da utopia de relações novas.

A liderança que aflorava nas atitudes, nos gestos: hospedavas, acolhias, mas também questionavas: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha fazer o serviço?” (Lc 10,40). Enviastes recados: “quem amas está doente” (João 11,3). Tomastes iniciativa e repreendestes pela demora: “se estivesses aqui” (João 11,21). Dialogavas, debatias, avançando, aberta ao novo. Ousavas gestos, palavras reservadas aos homens. Ocupastes lugar, papel que outras comunidades reservaram a Pedro, o primado de professar: “Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo” (João 11,27).

Ousada, percebeste o vento da novidade. Ousada te deixaste levar na força do vento. Ousada voltaste no ventre de tua mãe e renasceste, ressuscitaste ousando viver as palavras “O vento sopra onde quer e ouves o ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com toda aquela que nasceu da Ruah” (João 3,8). Palavras que outro, Nicodemos, mestre em Israel, custou a entender. Palavras que ressoaram em teus ouvidos, em teu coração, em teu corpo. Corpo que ansiava ficar de pé, ter a dignidade restaurada. Mente e corpo, negando o que a tradição, os costume, a cultura, a religião te obrigavam a viver. Mente e corpo que percebiam, vislumbravam, guardavam a memória de outras mulheres... E, quando ouviste as palavras de Jesus: “Removei a pedra... vem para fora... desatai-o e deixa-o andar” (João 11,39-44) e Lázaro, teu irmão amado, voltou à vida, voltou a andar. Ouviste e percebeste que já havias tirado a pedra, já havias saído do túmulo, já havias tirado as amarras e o sudário, livre andavas de pé, cabeça erguida: havias ressuscitado.

Os discípulos e as discípulas amadas te olhavam e, reconheceram a tua ousadia, a liderança, a diakonia.
Eles reconheceram, mas outros... E assim passaram a memória que estavas atarefada. A diakonia virou serviço doméstico. A vigilância, a atenção, o guardar e viver a memória preocupação de muitas coisas. E o que vale é somente sentar aos pés de...
Duas irmãs, irmanadas pelos mesmos sonhos, ensaiando o novo juntas, acolhendo em vocês a diversidade: que coisa bonita! O patriarcalismo vos tornou antagônicas e antagonistas, competitivas na tentativa de negar tua liderança, Marta.

Então Marta vê por que tenho que te agradecer, romper o tempo, encurtá-lo para dizer-te:

Obrigada pela ousadia:
Ousadia que vence os medos
Ousadia que vence a rotina
Ousadia que vence a introgeção.
Ousadia das palavras
Ousadia das atitudes
Ousadia dos gestos.
Ousadia que supera o preconceito,
Rompe barreiras
Abre horizontes.
Ousadia de questionar,
Provocar, inquirir, repreender,
Interpelar, sugerir, antecipar,
Sair às ruas, ao encontro.
Ousadia que atenta falar de teologia,
Proclamar a fé
Ocupar espaços
Assumir liderança
Inventar o novo.
Obrigada Marta!



                                               

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

DISCIPULADO DE MULHERES - ADULTERA ... DISCÍPULA

Por Tea Frigerio

No Templo, sentado Jesus ensina.
Escribas e fariseus arrastam até Ele uma mulher, gritam: Em flagrante adultério a encontramos! Na Lei de Moisés...
Escribas, fariseus, ora eles conhecem a Lei, ora sabem a Lei de cor e salteado, ora por que perguntar a Jesus?
No Templo, Jesus ensina, ora nem é seu lugar, ora é um Nazareno, ora é um Galileu, ora nem mestre é... Por que trazer a ele?
 A mulher é adultera não prostituta! Há diferença? Sim grande diferença!
Prostituta faz do seu corpo uma mercadoria, o vende por dinheiro. Prostituta trabalha. Prostituta exercita uma profissão. Profissão que a sociedade exige da mulher, mas que estigmatiza. Prostituição estigma. Prostituição exclusão, impureza.
Adultera ofereceu seu corpo por amor. Adultera doou seu corpo no amor. Adultera amou e acreditou no amor.


Adultera onde está quem te jurava amor? Quem pedia um penhor em nome do amor?
A mulher está sozinha, solitária no meio de seus acusadores. Quem jurou amor a abandonou. Abandonada, sozinha, desamparada, julgada, objeto usado e descartado, Ora, objeto usado para por a prova Jesus.
 Escribas e fariseus, homens fazedores de leis, homens manipuladores de leis, homens acostumados a moldar as leis segundo seus interesses.
O homem Jesus abaixa-se, escreve na poeira. Abaixa-se se envergonha? Não quer ser homem entre aqueles homens?
Abaixa-se e escreve. O que escreve? O pecado da mulher? Os pecados dos homens? Escreve as leis dos homens que são lábeis, como escrita na areia. Mudam segundo e seguindo o vento dos interesses. Escreve na poeira a memória de uma lei nascida no chão da libertação que os homens da lei tornaram escravidão. Escreve a história de uma lei que foi defesa dos fracos e pequenos, que os do poder tornaram fardo pesado para as fracas e as pequenas.
Escreve e levanta o olhar. Do chão levanta o olhar, o que vê? Homens, fariseus e escribas saindo de mansinho. Covarde demais para se reconhecer nas palavras de Jesus. Covardes demais para pegar uma pedra e lançá-la executando a Lei de Moisés, a lei deles!
O olhar levanta, encontra olhos da mulher? Olhos que falam de uma longa história de desamor, de abusos, de sofrimento, de traição, de humilhação.
 A palavra evoca: Mulher quem... Ninguém Senhor!” (Jo 8,10-11).
Mulher... Senhor. Duas palavras, o reconhecimento, a identidade, a dignidade restaurada, restituída.
Mulher imagem e semelhança de Deus.
Senhor, mas não Kyrios, dono. Senhor, Deus da vida, Deus na vida.
 “Não te condeno... Não peques mais... Vá...” (Jo 8,11).
Não tem nada para condenar! Talvez sede de amor, talvez a adequação ao sistema, a passividade, a omissão, o silêncio de séculos.
Vá testemunha e anuncia o novo jeito de ser mulher.
           
Anônima. Adultera. Objeto.
Usada. Traída. Abandonada.
Mulher. Evocação. Memória.
Reconhecimento. Vocação. Envio.
Anuncio. Testemunho. Dignidade.