Durante a Assembleia do CEBI Pará
refletimos sobre o texto da Samaritana. Deixamos ecoar dentro de nós as
palavras do canto “Bendito poço” e a seguir nos interrogamos: Quais minhas
sedes? Que outras sedes tenho, temos? Quais minhas
águas? De que outras águas necessitamos? Que águas temos a
oferecer? Que trocas de águas podemos estabelecer?
A seguir coletivamente narramos o texto
de João 4,1-42. E após a narração, retomando o texto identificamos as cenas que
compõem a narração.
vv. 1-6 contextualização – tinha que passar pela Samaria
vv. 7-15 sede – água – como é que tu, judeu, pedes
de beber a mim, que sou samaritana
vv. 16-18 maridos – não tenho marido
vv. 19-24
onde adorar a Deus – em espirito e
verdade profeta
vv. 25-26 Messias que há de vir – Sou eu que falo contigo Messias
– Sou eu
vv. 28-30 deixou o cântaro – vinde e vede um homem que me
disse quem sou Cristo
vv. 8.27.31-33 discípulos – Mestre, come... uma comida que vos não conheceis
vv. 34-38 parábola da colheita – envie a ceifar... onde outros trabalharem
vv. 39-42 samaritanos permanece
conosco Salvador do mundo
Apresentamos algumas reflexões que
nos ajudaram a aprofundar e a encaminhar as reflexões nos grupos.
A
Samaritana e o desmoronamento do culto sacerdotal
A cultura e religião judaica
separavam e diferenciava a esfera do sagrado do profano, o puro do impuro,
criando um sistema religioso que definia as modalidades de relação entre os
dois campos através de mediações.
O templo de Jerusalém, lugar da
presença da divindade, lugar das oferendas, dos sacrifícios rituais, do estudo,
das peregrinações e das orações, lugar do encontro entre Deus e o ser humano,
lugar onde morava a Shekinah. Esta Casa de Deus, no seu interno definia
fortemente os espaços que consentiam a proximidade ao sagrado em diversa
intensidade: o Santo dos Santos separava
o divino do resto do santuário.
Havia criado um sistema que separava
fortemente os gentios dos israelitas, as mulheres dos homens, o povo dos
sacerdotes, Deus de uma humanidade necessitada de perdão e reconciliação. A
aproximação com o divino necessitava de uma mediação, papel desenvolvido pela
classe sacerdotal.
O encontro de Jesus com a Samaritana
provoca uma reflexão profunda sobre esta realidade.
A Samaritana como mulher não podia ser aproximada em
publico por um rabi; era impura, pois
era de uma etnia que misturou-se; era
herética cismática, os samaritanos
haviam construído um templo sobre o monte Garizim.
O dialogo a leva a reconhecer Jesus
como judeu, maior que o nosso pai Jacó,
Senhor que faz prodígios, profeta, Messias escatológico, enviado do Pai,
Salvador do mundo.
Encontramos porem o centro do
dialogo nos versos 4,19-24. Em continuidade com os profetas Jesus indica a
superioridade do culto espiritual sobre ritual. A Ruah conduz à verdade, à
participação da vida de Deus. O verdadeiro culto vem de Deus não do ser humano
necessitado de purificação, por isso não precisa de mediação, nem do templo,
nem do culto, nem do sacrifício, nem do sacerdote.
Não é mais o templo o centro da vida
religiosa, mas o mundo. A Ruah está presente no universo, na vida, na nova
realidade religiosa a mulher então readquire sua dignidade e ela mesma entra em
relação direta com dadiva que é Deus, é
templo do Espirito.
Não precisa mais do homem, sacerdote
que tem pureza legal, que oferece sacrifícios para ter o perdão. Deus mesmo se
oferece para que as pessoas santificadas e libertadas pelo seu amor comuniquem
vida.
Os não judeus e judeus, as mulheres
e os homens, os pobres e os que têm, os pecadores e os justos podem adorar a
Deus em qualquer lugar, ninguém está excluído do seu amor.
A narração conclui-se com a
Samaritana, entre o estupor dos discípulos que não compreendem, porque Jesus
fala com uma mulher e por cima herética. A mulher compreendeu, corre à sua
cidade anunciar e muitos acreditaram nele e na palavra da mulher. Abandonou o
cântaro, bebeu e deu de beber, não precisa mais do cântaro, dela jorra água
viva. Águas que se misturam águas que doam vida.
Aconteceu
outra vez ao poço ...
Aconteceu outra vez ao poço que se diz de Jacó. A rotina cotidiana
levava a mulher ao poço, atingir água. “Era preciso passar pela Samaria” (João
4,1-6). Não, não era preciso! O judeu que transitava preferia alongar o
caminho, mas não passar pela Samaria. É preciso passar, pois tem uma dívida a
pagar.
O encontro! Um homem, judeu, mestre,
desconhecido. Uma mulher, samaritana, popular, sem nome. O encontro, um pedido,
a surpresa, a porta está aberta, o diálogo instaurado.
Diálogo que abre portas fechadas,
que derruba muros antigos, que rompe silêncios atávicos. “Como tu...
pedes... a mim?”. O homem lhe fala pedindo, não ordenando. Uma fala mansa,
humilde, que pede. Quanto é novo este falar! Não são berros, ordens,
arrogância, ira, grosseria que marcam esta fala. É voz que pede. Pedido de
água.
Água a ser dada, água a ser
recebida. Água que mata a sede do cansaço, da longa caminhada. Água que mata
outra sede, bem mais amarga, bem mais cansada, de bem mais longa caminhada.
Sede de esperanças perdidas, de sonhos frustrados, de utopias vencidas. Sede
nascida no anonimato, na violência, nos abusos. Sede de reconhecimento,
gratidão, prazer, companheirismo. Sede...
Água vida. Água viva. Água
reconhecimento. Água relação. Água superação.
O andar de Jesus de Jerusalém para
Galileia andar que se afasta da fama, do sucesso, andar a procura... Andar que
leva ao poço.
O andar cotidiano da samaritana,
andar que é tarefa pesada e entediante, tão rotineira que ninguém repara,
reconhece, agradece... Andar que leva ao poço.
Poço, fonte que jorra água: água da
promessa para Agar, água das núpcias para Rebeca, água do amor para Raquel,
água da libertação para Séfora, água da lamentação porque Miriam morreu e os
poços secaram. Água da passagem, da ausência, água de onde jorra a vida.
“Se conhecesses o dom de Deus
e quem é quem te diz:
‘Dá-me de beber’,
Tu é que lhe pedirias
e ele te daria água viva!”
Ao poço o pedido, o oferecimento. Ao
poço o reconhecimento que quebra as barreiras. Ao poço o reatar de um
relacionamento antigo. Ao poço o encontro que vence as barreiras étnicas,
religiosas, de gênero. Ao poço a recuperação da memória. Cinco maridos, cinco
povos é lá que estão as raízes da identidade que aflora.
“Ele
me disse tudo o que eu sou!” A identidade acorda: quem eu sou? Sou Samaritana!
Sou povo, sou gente, sou mulher, sou parceira!
“Vinde
encontrei um homem! Vinde encontrei o Cristo!”.
Anônima, Samaritana, Parceira do
Reino que elimina as barreiras sociais, de raça de gênero. Parceira de Jesus no
anuncio do Reino onde Deus é “Pai e quer
ser adorado em espírito e verdade”.
Quem olha admira-se: “fala com uma mulher!”. “Meu alimento é fazer
a vontade do Pai... alimento que vós não conheceis”.
Quem olha é homem, é cego, a
sociedade patriarcal venda seus olhos. Nem a proximidade com o Mestre conseguiu
curar a cegueira.
A vontade do Pai é pagar a dívida, é
resgatar quem fora escravizada, é restaurar a imagem e semelhança de Deus:
mulher-homem.
Saíram do poço, prosseguiram
caminhando, na parceria do Reino, rompendo barreiras, vencendo preconceitos,
superando obstáculos, apontando, fascinando, conquistando amizades, engrossando
as fileiras, anunciando ... provocando...
Saíram andando, a cruz no caminho, a
morte na espreita para aniquilar o sonho. Zombando diziam: vencemos! Nada nos
derruba! Temos cúmplices: homens e mulheres, ricos e pobres, sábios e estultos,
cleros e leigos. Temos cúmplices: a filosofia, a cultura, a religião, a
teologia...
Com estas e outras reflexões fomos
aos grupos perguntando-nos:
1. Quais são “as samaritanas”, as águas,
os poços alheios a nós com os quais nos deparamos em nossas realidades?
2. Como esses encontros nos fazem olhar
e tomar consciência de nossas próprias águas, nossos próprios poços?
3. O
que precisamos e como podemos fazer para que esses encontros nos ajudem a
purificar nossas águas e sirvam para que encontremos as “águas vivas”, as
sagradas águas da vida, presentes tanto nas fontes mais profundas de nossas
águas/poços como nas fontes mais profundas das águas/poços que são diferentes
das nossas?
Tea Frigerio
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